Sessões à Quinta!

Aurora de F.W. Murnau

Há destes filmes! Daqueles que já não se julgam. Daqueles que parece pura perda de tempo afirmar-se ser bom ou não.
Eu vou já sossegar toda a gente a esse respeito. “Sunrise: a Song of Two Humans” é uma obra-prima do cinema. Pelo menos para mim, é! Aliás, vou ser mesmo mais contundente. “Sunrise” é Arte numa das suas mais sublimes interpretações.

Dito isto, que mais posso comentar acerca deste filme? Tanto e tanta coisa que as palavras atropelam-se nos dedos. Vamos começar por alguns aspectos da mitologia que circunda a feitura deste filme.

Murnau era um cineasta alemão, um dos fundadores do expressionismo alemão, corrente artística do início do século XX, sendo à data da feitura deste Aurora já famoso por filmes tão emblemáticos como sejam “Nosferatu” (o primeiro filme de terror da historia do cinema), “Fausto”, entre tantos outros. Convidado pelo patrão da Fox para expressar a sua arte nos EUA, Murnau teve algo sem precedentes na 7ª Arte na América, tão inédito que viria a se tornar parte mitologia. Murnau pôde operar sem limites de orçamento e sem a interferência dos produtores. O que em mãos menores poderia ser um desastre, com este realizador moldou-se numa sinfonia em imagens, um pedaço de Belo extraído da natureza sem desculpas.



A história é desarmantemente simples. Um homem do campo, casado, envolve-se com uma bela mulher da cidade. Ela, sibilante, hipnotizadora, convence-o a ver-se livre da mulher para que possam gozar a sua mútua companhia sem atropelos. Não revelo nada de especial ao dizer que ele não consegue levar a bom porto (neste caso, mau) a sua tenebrosa intenção e o que vem a seguir é... pura e simplesmente... sublime. O casal viaja até a cidade e, paulatinamente, recuperam algo que, afinal, sempre existiu: um amor incondicional.

Como podem ver, não existe nada de extraordinário no enredo que, neste caso, não tem quase qualquer importância. Os sentimentos, expressos pelo actores e pela excepcional câmara de Murnau, transcendem-no de tal forma que se tornam o alfa e o ómega da história. Nada é mais importante. Nada mais pungente do que ver o peso que é levantado das costas arqueadas do marido, dos seus olhos negros que recuperam o brilho, da pesada tristeza que dá lugar ao júbilo do amor. A emoção é de tal modo universal que é imediatamente reconhecida, mas sem lugares comuns, sem formas feias e banais. O lirismo e a poesia são inquestionáveis.

Nada é deixado ao acaso: as formas das letras entre cenas (para quem não sabe, este filme é mudo); a caracterização dos personagens; os cenários. Mas feito sem estrutura seca e matemática. Brilha e pulsa com a vida da história que, tal como diz (e muito bem) o subtítulo, não é mais que a canção entre dois humanos.

O que já não é por acaso é que o “Cahiers do Cinema” tenha uma vez dito que este se tratava do “filme mais belo do mundo”. É provável que sim.

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