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O meu primeiro contacto mais sério com Mangá foi a obra Gunnm, da autoria de Yukito Kishiro - a maior parte do público conhece-a pelo nome de Battle Angel AlitaA publicação de Gunnm começou em 1990 e chegou às minhas mãos em 1995 pela editora francesa Glénat. Recentemente, decidi reler os primeiros nove volumes - a série continuou, mas a história de Alita (Gally em francês) fecha-se aqui na perfeição. 

Battle Angel Alita de Robert Rodriguez

Battle Angel Alita, Gunnm no original japonês, é um dos meus mangás favoritos. O primeiro contacto com estes livros aconteceu há duas décadas e meia, em volumes publicados pela editora francesa Glénat. Recentemente, em modo de preparação para este filme, reli o primeiro grande arco de história da epopeia de Alita. A qualidade permaneceu inalterada e provou-me que Yukito Kishiro, o autor, tinha em mãos uma obra intemporal (leiam aqui o que achei desta releitura). 

E o que dizer do filme?

Rapidinhas de BD - Robôs também irão ser humanos: Vision e Battle Angel Alita: The Last Order vol. 1


(NOTA de blogger - Antes de mais nada, calma. Os puristas que se acalmem que eu sei que o Visão dos Vingadores da Marvel é um sintozóide e a Alita/Gally de Yukito Kishiro é uma ciborgue)

O que é ser humano? Esta pergunta parece fácil de responder. Para todos nós bastaria olhar para o espelho. Mas será suficiente? A Religião, a Filosofia, a Ciência e a Literatura todos os dias tentam responder. Elaborar e complexificar a resposta, a solução, a verdade. Mas ao virar da esquina está o advento da inteligência artificial (IA). O que acontecerá a partir daí? A resposta será assim tão menos complicada? Bastará continuar a olhar apenas para o espelho? Ou, seguindo a via cartesiana, bastará pensar para existir?

A Literatura primeiro e o Cinema depois têm sido profícuas em narrativas acerca de IA. Nomes como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Stanislaw Lem, Philip K. Dick, Stanley Kubrick, Ridley Scott, Alex Garland, Denis Villeneuve, etc, têm explorado de forma inventiva e filosófica as implicações do aparecimento do pensamento robótico. Como não poderia deixar de ser, a Banda Desenhada tem seguido um caminho similar, que oscila entre o existencial e o entretenimento ou, ainda, uma mistura dos dois. Eis então que surgem estes dois exemplares: Vision de Tom King Gabriel Hernandez Walta e Battle Angel Alita: The Last Order Omnibus vol. 1 de Yukito Kishiro

Visão é um sintozóide criado na década de 60 por Roy Thomas e John Buscema, sendo, a início, antagonista dos Vingadores, que acaba por transformar-se, logo na primeira história, num dos seus mais relevantes membros. Muitas das narrativas à sua volta tinham a ver com a óbvia dualidade de ser uma forma de vida artificial com pensamentos (e sentimentos) muito humanos. Nesse balançar, vários autores encontraram ouro para minar, resultando em variadíssimas histórias, dentre as quais uma delas resultava no casamento da personagem com a Feiticeira Escarlate, humana. Tom King vai mais longe e planta na alma cibernética do Visão a necessidade de ter uma vida ao estilo Norman Rockwell. Para isso cria uma família (já divorciado da Feiticeira - não vou elaborar porquê). O que segue é, nas mãos inspiradas de King, uma reflexão existencialista do que significa "ser um humano". O escritor recorre não tanto a solilóquios verborreicos (leia-se, a personagem falar pelos cotovelos de forma teatral), mas antes a pequenas acções, que somadas revelam a verdadeira alma das personagens. No início do quarto capítulo, por exemplo, possui um dos momentos mais belos da BD moderna, com uma subtil e arquitectada ligação entre uma conhecida cena da cultura popular, a revelação de personalidade das personagens e um comentário à pergunta maior desta obra. O final segue de forma brilhante os trâmites da tragédia clássica, escolhendo antes a inteligência e a emotividade do leitor para que ele descortine o climáx da história. Visão é uma das mais cativantes leituras dos últimos anos e um dos melhores livros que li na vida. Quase que afirmo que temos aqui os Watchmen da Marvel (em breve será editado em Portugal pela Goody).

Battle Angel Alita: The Last Order é a continuação da primeira "temporada" desta conhecida Mangá, marco da BD e do ciberpunk (já falei neste link da primeira temporada). Neste ano da adaptação para o Cinema nas mãos de James Cameron e Robert Rodriguez, decidi revisitar a leitura desta obra, que tinha iniciado na década de 90. The Last Order retoma onde a anterior história havia acabado e expande o universo e o alcance da mensagem de Gunnm (o nome original japonês da obra). Yukito Kishiro prova que, mesmo passados 20 anos, o mundo actual está ainda a apanhar a sua visão distópica e reflectida do mundo tecnológico que continua a ser construído. Os seus conceitos são tão poderosos que muitas obras ainda minam a inspiração que suscita (a recente série Carbono Alterado da Netflix parece dever também muito a Gunnm). No meio de vertiginosa e (muito) violenta acção, o autor japonês reflecte, uma vez mais, sobre o que significa essa coisa de ser um homem. Será o corpo ou a mente que nos torna mais reais? Será a combinação dos dois? Serão as nossas memórias? O verdadeiramente interessante é a assustadora previsão do que o futuro poderá ser, se não controlarmos o fascínio que temos pela tecnologia. No Japão, que está décadas à frente (para o bem e para o mal) em relação à prática destas questões, Gunnm tem a virtude da auto-análise. Para os restantes, é um conto que alerta para os dilemas que se avizinham.

As BD Vision e Battle Angel Alita, usando personagens robóticas, reflectem sobre a questão "o que é ser um humano?". Dificilmente irão encontrar melhor resposta a essa pergunta e, ainda por cima, em obras que escolhem focar-se na vida artificial (será assim tão artificial?).

Gunnm, aka Battle Angel Alita de Yukito Kishiro vol.1 a 9


Recentemente a internet recebeu o teaser trailer de um novo projecto do produtor James Cameron e do realizador Robert Rodriguez: Battle Angel Alita, a estrear em 2018. Há cerca de 20 anos que esperava-se por este filme. Cameron anunciou a compra dos direitos da Mangá há quase duas décadas e esperava-se a sua concretização. 

Antes de passarem ao grande ecrã aconselho a leitura do mangá de Yukito Kishiro e principalmente dos nove volumes que contam uma 1.ª temporada da vida da personagem principal. Nove volumes compõem a publicação original mas, hoje em dia, são difíceis de encontrar. Aconselho antes a versão deluxe que está a ser publicada pela Kodansha America. Terá menos volumes, porque compila dois em um, e podem encontrar o primeiro aqui.

A publicação de Gunnm (o nome original) começou em 1990 e chegou às minhas mãos em 1995 pela editora francesa Glénat. Recentemente decidi reler os primeiros nove volumes - a série continua mas a história de Alita (Gally em francês) é fechada na perfeição nestes. Se existe algo que possa dizer-se acerca é que os tempos correm atrás da visão do autor. A série não envelheceu um dia e é assustadoramente profética. Uma espécie de Black Mirror antes de se pensar em internet ou smartphones. Num mundo onde começam a aparecer ciborgues (vejam aqui) a história de Alita descreve um futuro repleto de complexas questões morais. O que nos faz humanos? O que nos torna diferentes da tecnologia que estamos a criar? É essa sequer a pergunta, já que a evolução do nosso corpo é inevitável? Será este o advento do Homo Sapiens Tecnológico?

O tempo de Gunnm é um futuro pós-apocaliptico. A geografia é indeterminada mas centrada em dois pontos: uma cidade flutuante de nome Zalem, sonho dos que vivem em baixo, numa cidade de lata, onde os dejectos dos escolhidos são deitado como lixo. Aqui vivem vários humanos e robôs. Os humanos são agora ciborgues, fruto de sucessivas manipulações e melhorias para os transformar em melhores guerreiros, melhores desportistas. Melhores! Permanece o cérebro, o seu "penso, logo existo", mas a carne foi substituída, total ou parcialmente. Neste mundo, um cientista descobre o corpo destroçado de uma ciborgue e reconstrói-o. É Alita, uma jovem com um passado do qual não se lembra. Depressa descobre capacidades guerreiras inigualáveis e uma alma inquisitiva, que a levarão a diferentes pontos deste mundo desolado e ultra-violento.

Escrito e desenhado por Yukito Kishiro, é uma obra essencial para os apreciadores de BD e do sub-género cyberpunk, do qual é dos maiores representantes, ao lado de outros como Ghost in the Shell. Aliás, tanto Gunnm como este último bebem da mesma sensibilidade e das mesmas questões levantadas por Philip L. Dick no seminal Do Androids Dream of Electric Sheep, que inspirou o filme Blade Runner. São obras que escolhem a tecnologia para questionar o que significa estar vivo e o que significa ser humano. Se este último filme vira para o lado filosófico, Gunnm não perde essa vertente de vista mas opta por também ser uma imponente narrativa de acção. Porque planeada de forma cuidadosa, nunca perde o fulcro e o objectivo, mesmo que a vida de Alita percorra mais de 10 anos ao longo dos nove volumes. Aos poucos vamos descobrindo as várias camadas que compõe este mundo e a personalidade das várias personagens. No final, encontramos algumas respostas - mas não todas.

De acordo com Marc Attalah, professor de literatura da Universidade de Lausanne, "o autor faz parte da" geração Otomo", o autor de Akira. É uma geração que está cansada de estar sempre em contacto com a história pós-guerra do Japão, em que os idosos não se separam. Eles não viveram a guerra, eles querem distanciar-se dela. Isto é o que Gunnm mostra: Gally quer emancipar-se deste pântano. Trata-se de criar um novo homem, que usará tecnologia, hibridização tecnológica, para esses fins". E mais: "O cyberpunk americano é um género literário. No Japão, é uma relação com o mundo. Na Europa e nos EUA, o cyberpunk é interpretado como a tomada de consciência quando acontece algo de significativo com as novas tecnologias, e os problemas daí advindos. Mas para a geração Otomo, cyberpunk não é o mundo de amanhã, é aquele onde vivem estes jovens. Naquela época, a juventude japonesa era já hibrida com seu telefone". 

Gunnm é uma obra essencial de mangá cyberpunk mas também um repositório de questões actuais, neste mundo de tecnologia a avançar de forma vertiginosa ao encontro das mais escabrosas fantasias da ficção científica. É esperar que o Cinema faça jus a este livro essencial.