A editora portuguesa Levoir iniciou, recentemente, a publicação da série de BD Black Hammer, do autor Jeff Lemire, cuja premissa é a exploração de conceitos e arquétipos dos super-heróis, sempre com uma visão que mistura modernismo com muita da abordagem clássica destas mitologias. A série, cujas raízes são alicerçadas na pura BD, constitui um sucesso de crítica e de vendas. Já aqui focamos o primeiro volume, Black Hammer: Secret Origins, um dos dois publicados pela Levoir. Entretanto, para além da continuação (já editada também em Portugal), saiu, em inglês e em TPB, o igualmente bom Sherlock Frankenstein and the Legion of Evil, que explora, dentro do universo criado por Lemire, alguns dos adversários dos heróis da série. Aguardem que saia igualmente em terras lusas.
Contudo, o universo de Lemire continua a crescer, não só com o progredir da série principal, mas também com outros projectos paralelos, sempre com uma vertente de homenagem e de sabor a nostalgia. Vamos estar também atentos ao muito esperado crossover com alguns dos moldes originais em que o escritor canadiano inspira-se, quando as personagens de Black Hammer cruzarem-se com a Liga da Justiça da DC Comics.
Doctor Star and the Kingdom of Lost Tomorrows de Jeff Lemire e Max Fiumara
Este que vos escreve tem uma coisa em comum com Jeff Lemire, o escritor de Black Hammer: ambos nutrimos um enorme amor e admiração pelo Starman de James Robinson, Tony Harris e Peter Snejberg. Esta foi uma série de super-heróis, publicada pela DC na década de 90, que, de forma autoral, explorava um universo muito pessoal, ao mesmo tempo que construía uma história emotiva e fortemente alicerçada no legado da mitologia dos supers dessa editora dos EUA. Foi daqueles raros OVNIs que permitiu aos autores contar uma história com principio, meio e fim, e que solidificaram o catálogo da DC como um dos mais interessantes e diversos no panorama da BD americana. Ora, Doctor Star and the Kingdom of Lost Tomorrow é uma declarada carta de amor a Starman, mas não só.
Lemire tem a habilidade, neste volume, de misturar vários conceitos bem conhecidos dos fãs de BD de supers, cozinhando-os de uma forma que sabe, ao mesmo tempo, ao prato que a nossa mãe fazia e que, ainda assim, tem o dom de parecer algo completamente novo. O escritor agarra no Starman de Robinson, mas não só. Pelo menos, mais um conceito bem reconhecido dá ar de sua graça (e não vou fazer spoilers). É verdade que tudo isto agrada ao fã antigo de BD que existe em mim, transformando-se num espécie de cobertor velho que adapta-se bem ao frio que sentimos. Mas é muito mais que isso. Muita da ficção consiste num baralhar e voltar a dar de antigos conceitos, e Black Hammer volta a conseguir fazê-lo com mestria. Existe espaço para tudo: saudade; surpresa; sentimento; superação (adoro aliteração). E, claro, Doctor Star não só acrescenta ao universo, como tem o condão de ser uma história finita e fechada. Imprescindível.
Black Hammer, Age of Doom vol. 1 de Jeff Lemire e Dean Ormston
Este Age of Doom é mais do mesmo, mas apenas no muito bom sentido da palavra. Jeff Lemire retoma a linha de história do primeiro volume, o Secret Origins, e avança a narrativa de forma clara, aproximando-nos mais da revelação e conclusão deste primeiro arco. O que acho curioso no trabalho desta série é a capacidade que o autor tem de, não surpreendendo com revelações forçadamente escabrosas, ainda assim conseguir maravilhar. Existe um equilíbrio, muito bem conseguido, entre essas duas vertentes. Não existe expectativas a superar, cinismo a conquistar, experiência a surpreender. Os fãs de BD podem entrar em Black Hammer com a pura delícia de serem entretidos. Como se fossem adolescentes outra vez. E isso é um dos maiores feitos da série. Ser madura, sem perder o deslumbramento infantil. Um equilíbrio nem sempre fácil de conseguir.
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