Jeff Lemire é conhecido pelo ecletismo das suas escolhas para histórias na BD. Pode fazer incursões em super-heróis, como o seu maravilhoso, menosprezado e esquecido Superboy, ou entrar por territórios mais pessoais e independentes, como nos deliciosos Sweet Tooth ou The Nobody. Black Hammer situa-se a meio destes dois, uma viagem às recordações doces deste autor enquanto lia as aventuras dos homens de collants, mas também uma perspectiva idiossincrática que evoca visões mais sérias. Tudo se passa anos após uma batalha apocalíptica de super-heróis arquetípicos contra uma Deus do Mal. Depois dessa batalha o grupo é misteriosamente exilado para um mundo paralelo, e afastados das lides de defesa da justiça. Os vários membros da equipa adaptam-se o melhor que podem, uns bem e outros menos bem. É nesse equilíbrio da adaptação que Lemire explora as várias vidas das personagens. Não só elas são adaptações assumidas de arquétipos conhecidos (Super-Homem; Shazam; Monstro do Pântano; etc.), como as suas histórias funcionam como reflexões de enredos dessas mesmas personagens. O escritor consegue um perfeito equilíbrio entre o elogio/pastiche/cópia, a homenagem e a inovação, conseguindo dar algo de novo e algo de velho ao mesmo tempo. Esperemos que o segundo volume permaneça neste nível de qualidade.
Para quem lê este blog não será segredo que a BD Empowered de Adam Warren tem em mim um assumido fã. Já escrevi algo sobre ela (leiam aqui) e um dos artigos mais lidos da história do Acho que Acho foi (curiosamente) O Sexo na BD. Este volume 10 é mais do mesmo mas o mesmo é mesmo bom. A nossa heroína continua com problemas de auto-confiança, ainda que um dos enredos desta nova história tenha a ver com (spoiler) o ingresso numa equipa análoga à Liga da Justiça/Vingadores deste universo. Continua a tendência softcore, bondage e "all around titilating" que são as aventuras da voluptuosa e sensual personagem, toda ela um comentário à hipersexualização das mulheres na BD, mas assumindo (ironicamente ou não) esse comentário, devolvendo-nos uma exploração excitante que agarra o leitor. Outra das marcas de Warren são os diálogos entretidos, naturais e que oscilam entre uma oralidade assumida e uma verborreia intelectual e aliterativa cativante (até eu já me entrei pela hiper-adjectivação das frases). Empowered é uma mistura deliciosa entre guilty-pleasure e uma análise intelectual da BD. Não sei o que é na realidade, mas sei que adoro.
A editora Escorpião Azul tem explorado a edição de autores portugueses desconhecidos. O ano passado deram-nos uma aventura deliciosa no Caderno da Tangerina de Rita Alfaiate, com um equilíbrio bastante interessante entre história e desenho. Recentemente, fui nova e agradavelmente surpreendido com este A Última Nota, uma exploração curiosa do mundo da música e de como nascem as lendas neste meio. A história acompanha dois amigos de infância, a aventura que têm com uma amada em comum e, anos depois, as consequências desse amor. Um deles transformou-se num ícone pop internacional, mas que procura a legitimação artística sonhada pelos músicos. Nesse demanda, irá reencontrar o amigo e reacender velhas memórias. A obra apresenta um enredo bastante interessante e entretido, com algumas reviravoltas que cativam o leitor. O desenho, apesar de conseguir algum breakdown da história fluído, apresenta falhas de técnica, sendo o elo fraco desta BD. Ainda assim, porque faço parte da escola história primeiro/imagem depois, A Última Nota revelou-se uma surpresa e uma delícia.
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