O terror é um dos géneros que, ao contrário do senso comum, mais variações assume. Nem todo ele é gore. Nem todo ele é psicológico. Pode surgir de um elemento do dia-a-dia ou da grandiosidade solitária e silenciosa do espaço sideral.
Reparem no que escrevi. Terror como um género narrativo e como uma sensação de pavor e de temor. Com sorte, naquele filme ou naquele livro mesmo assustadores, conseguimos submergir na fantasia e dela sair pouco ilesos. Confesso que, em livro, quer seja ele de BD ou de Prosa, infligir estas sensações ao leitor é uma tarefa difícil. Boa parte do sucesso deste género em filme advém da manipulação do tempo, algo complicado em leitura, já que boa parte da gestão do timing pertence a quem está a ler. Temos de exercitar contenção, não folhear à pressa e poder melhor entrar nestes mundos. Por isso, autores que escolhem explorar o terror em BD ou Prosa têm de ser donos de talento e "sensibilidade" ao tema. Os japoneses, em particular, têm mais do que um bom exemplo. Já várias vezes aqui falei de Kazuo Umezu, o mestre incontornável do género em terras nipónicas. Junji Ito, admirador do primeiro, é um digno sucessor, principalmente tendo em conta esta minha primeira leitura do autor, Uzumaki.
A narrativa passa-se num aldeia, Kurôzu-cho, presa entre as escarpas de uma cordilheira montanhosa e o oceano, fechada do mundo exterior, acessível apenas por túneis e barco. Estranhos acontecimentos envolvendo a forma espiral começam a preencher o dia-a-dia da aldeia, repetindo-se na mente dos habitantes e na realidade à sua volta. A obsessão claustrofóbica pela forma preenche cada momento e cada segundo, ao ponto da deformação da mente e do corpo. Episódios de crescente terror e alienação do real começam a tomar conta da vida dos residentes. Primeiro de forma individual e depois generalizada, até o clímax da última página. O nosso ponto de vista é o de dois adolescentes, Kirie Goshima e o namorado dela Shuichi Saito, que se vêem paulatinamente envolvidos neste mundo deformado. Através desses olhos novos no mundo, somos apresentados ao surreal alienígena e, por isso, verdadeiramente atemorizante. Nesse desconhecimento reside algo de primitivo que nos regride ao estado de homem das cavernas, desconhecedor do mais ínfimo pormenor da realidade. Uzumaki é assim. A natureza a ensinar-nos novos mistérios sem resposta racional.
Junki Ito vence o leitor pela forma como administra a imagem, o tempo e o choque do virar de página, mas, acima de tudo, pela manipulação e criação de situações perturbadoras e, para alguns, nauseantes. A forma espiral é omnipresente para os habitantes Kurôzu-cho e para o leitor deste maravilhoso Uzumaki. Dificilmente sairão ilesos do hipnotizante chamamento primal e misterioso deste livro. Mas a "coragem" vai valer a pena.
2 comentários:
O mais estranho é como os moradores vão ACEITANDO o absurdo que acontece na cidade com o passar dos capítulos.
É curioso dizeres isso, porque achei o mesmo. Os eventos vão acontecendo mais e mais e de forma cada vez mais bizarra e está tudo na boa. Ou é porque são japoneses (LOL) ou porque temos mesmo de ter muita suspensão da descrença.
Independentemente disso, é uma BD que arrepia.
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