The Fade Out de Ed Brubaker e Sean Philips - G Floy

(repescamos esta nossa opinião de 2016, com muitas modificações)

Diz-se que somos a mistura do que pensamos de nós, do que os outros pensam de nós e do que nós pensamos que os outros pensam de nós. Eu prefiro antes dizer que a verdade sobre quem somos está escondida em histórias:  das que contamos sobre nós mesmos; das que os outros contam de nós; e das que construímos para ir de encontro às que contam sobre nós. 


Não possuímos uma memória infalível e nem sempre contamos a verdade. Todos os outros não conhecem cada pormenor da nossa experiência. Na lenta construção desta "mentira", solidifica-se o nosso passado e o nosso destino. Os gregos chamavam-lhe tragédia. Essa palavra acabou por evoluir para outros significados, que sumarizam a existência de um caminho que parece traçado desde que nascemos. 

Os três actos de The Fade Outcontinuação da já longa colaboração entre o escritor Ed Brubaker e o desenhador Sean Philips (juntos fizeram SeekerCriminalFatale), falam de histórias, de como controlam a realidade e acabam por transformar-se na Verdade. Isto não é novidade. A História é contada pelos vencedores. Por melhor que queiramos perceber o que realmente ocorreu, nunca nada será claro. O importante neste The Fade Out é a forma como Brubaker e Philips constroem a narrativa. Retrocedem no tempo, para uma época talhada à sua sensibilidade, os anos 40, os anos do noir, e deslocam-se no espaço, para a industria do Cinema de Hollywood, para a Era de Ouro, a de Bogart, a de Bacall, a de Gable. Os protagonistas são dois homens, ambos escritores, uma actriz assassinada, uma outra actriz bem viva e um conjunto de figuras e personagens da industria, que tentam construir uma mentira que ofusque a verdadeira face de uma arte que, na realidade, não existe. Melhor, o produto final, o filme, ele existe e é perene, mas, para que se forme no ecrã, é necessário construir toda uma tapeçaria de imagens e histórias falsas, possibilitando que a ilusão, a magia e a eternidade do Cinema solidifiquem-se. Mentiras sobre mentiras sobre mentiras. Em suma, a Verdade que fica. A História que é contada.

Brubaker e Philips constroem um labirinto, não em Creta mas em Hollywood, onde o Minotauro dificilmente é descoberto e onde o fio de Ariadne seria  a verdade, mas este não existe. Uma das melhores colaborações entre ambos, mesmo depois de tantas e tão boas. Uma história sobre histórias, de como um país, uma civilização, ergue a infraestrutura do seu legado numa cama que não corresponde à Verdade. Um belíssimo livro em três actos editado em Portugal, pela G Floy, numa edição integral - e em tamanho maior que o do original.

2 comentários:

lendo à bessa disse...

Ótimo texto. Descobri teu blog por acaso e tô sempre dando uma olhada procurando postagem nova o/

SAM disse...

Olá, Bom Dia.

Muito obrigado pelo comentário e, principalmente, por leres com regularidade.

Estou a tentar ser regular com os meus textos e publicações, mas a vida pessoal e profissional nem sempre o deixam.

Posts de música aparecem, regularmente, às Quartas, Sábados e Domingos. Os de Cinema, séries de TV e afins, vou tentar que apareçam às Segundas e Terças. BD nas Quintas e Sextas. Não prometo ser regular, mas vou tentar.

Obrigado, uma vez mais.