Nos últimos tempos, o nosso vizinho da Galiza, David Rubín, tem demonstrado uma certa e determinada ubiquidade - ou então foram os nossos olhos que abriram-se para ele. Os seus desenhos têm estado presentes em obras em nome próprio publicadas deste e do outro lado do Atlântico, em colaborações com colegas de Espanha e em parceria com autores a trabalhar para os EUA. O seu estilo cartoonesco, dinâmico e cheio de velocidade narrativa é atraente, divertido e capaz de contar a história de forma fluída. É impossível não admirar a síntese da sua composição narrativa, misturada com cor e explosão de movimento. É uma forma comum a muitos artistas que fizeram a transição da animação para a Banda Desenhada e que prova que esta última é, antes de mais nada, não uma sequência de desenhos bonitos mas antes uma arte onde deve ser privilegiada o contar da história. A habilidade do artista em "partir a história" em quadradinhos pode ensinar-se - como tudo -, mas existem aqueles que o fazem melhor que outros. David Rubín é um deles.
Beowulf, publicado recentemente em português de Portugal pela estreante Ala dos Livros, é uma colaboração com o conterrâneo Santiago Garcia, onde adaptam o milenar poema épico do mesmo nome, fonte de perpétua inspiração para todos os que fazem incursões no género da Fantasia Épica - do qual um dos expoentes máximos é o Senhor dos Anéis. "O poema narra as aventuras de BEOWULF, um herói escandinavo com força sobre-humana, por terras que actualmente pertencem à Dinamarca e à Suécia. Um monstro, Grendel, atemoriza durante mais de uma década o reino dos Daneses, devorando homens e mulheres até à chegada de Beowulf, que se propõe salvá-los." (do press release de Ala dos Livros). Num livro que tem tanto de atraente como de pesado (é grande em tamanho e em número de páginas), somos encaminhados por uma interpretação violenta, em que cada momento narrativo é descomprimido ao longo de várias páginas, parco em palavras e cheio de acção e contemplação. Santiago Garcia abre as alas ao seu companheiro, deixando que a arte e a sequência narrativa contem a história. Este é um livro onde Rubín deixa-se ir como se estivesse a filmar para Cinema. Contudo, o excesso de parcimónia de conteúdo, em que o artista procura dar espaço ao leitor para respirar, nem sempre funciona a favor. Um pouco mais de texto ou de menos páginas de descompressão poderiam aliviar a leitura, que acaba por ser demasiado rápida. É uma obra atraente e que vale como um livro de arte para colocar na mesa da sala, para as visitas folhearem.
Em Hero vol. 1 e 2 (que lemos na versão da editora estado-unidense Dark Horse) Rubín escolhe outra personagem da antiguidade, Héracles/Hércules. Desta vez, trabalha a solo e guia-nos por uma interpretação modernista dos mitológicos 12 trabalhos deste famoso semideus. Rubín, ao contrário de em Beowulf, faz excelente uso do número de páginas, para construir uma narrativa inventiva, divertida, carnavalesca e cheia de acção. Sem descurar a originalidade gráfica, dá-nos momentos que oscilam entre a extrema violência e a beleza do desenho e da composição, sempre acompanhados de uma certa sensualidade. As personagens são curvas em movimento, dinamismo como raramente se vê em BD. Rubín faz lembrar um dos seus ídolos, Jack Kirby, que também era conhecido por casar conteúdo com acção de forma exemplar e com alto valor acrescentado de entretenimento. Hero é uma pérola e uma adição obrigatória à biblioteca de quem gosta de BD.
Finalmente, Sherlock Frankenstein. Rubín veste a capa de colaborador para habitar o universo de super-heróis criado pelo escritor canadiano Jeff Lemire. Este autor tem feito furor com esta nova criação, Black Hammer, onde reinterpreta alguns arquétipos da mitologia, com resultados entusiasmantes e desapegados dos normais constrangimentos da Marvel e da DC. Na maior parte das vezes, as personagens são cópias/plágios/elogios a conhecidas personagens das duas grandes editoras - como aliás fazem Kurt Busiek, Brent Anderson e Alex Ross em Astro City. Contudo, nada é redundante, antes uma estranha mistura de originalidade e nostalgia. Lemire consegue imprimir ritmo, invenção e diversão em iguais medidas, para criar uma das mais interessantes BDs da actualidade - para quem gosta (e não gosta) de super-heróis. Rubín usa das suas capacidades de designer e de contador, para ajudar à criação da personagem titular e de outros vilões, que são os protagonistas do volume (destaque-se o favorito de Rubín, Chtulou). Note-se que este Sherlock está integrado na macro-história que Lemire está a contar no seu Black Hammer.
Três exemplos da versatilidade do artista galego. Três exemplos obrigatórios de seguir.
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