O Cinema é um animal de muitas caras, como qualquer Arte. Por isso, é sempre complicado falar de qualquer outra coisa que não sejam gostos. Uns preferem entretenimento. Outros Arte pela Arte. Outros algo entre estas duas visões. Por vezes, estamos preparados para acolher uma. Outras vezes a outra. A safra deste ano dos candidatos a Melhor Filme do Ano da mais famosa competição da 7.ª Arte, os Óscares, é uma safra muito interessante e estranhamente "boa" (desculpem o termo mas o que na realidade quero dizer é que gostei). Temos filmes de pendor histórico (A Hora Mais Negra e Dunkirk, que até fazem uma bela parelha). Temos o filme activista (The Post). Temos filmes que dançam entre estas e outras categorias (Get Out, Call Me My Your Name, Shape of Water, Three Billboards Outside Ebbing Missouri, Ladybird). E temos o OVNI, o miúdo que é meio estranho mas desconfias que vai ser alguém grande quando crescer. Temos este maravilhoso Phantom Thread de Paul Thomas Anderson com Daniel Day-Lewis e Vicky Krieps.
À data que escrevo este artigo ainda falta-me ver Ladybird, mas posso desde já dizer qual o meu filme favorito de entre os concorrentes. É mesmo este Phantom Thread, ainda que não ache que vá vencer qualquer prémio (o meu palpite vai para o também fabuloso Three Billboards Outside Ebbing Missouri). Existem filmes que conseguem ser Cinema Puro, em que a história é importante mas é também no desfilar das imagens, no casamento com a música, com os diálogos, com o décor, com o mise en scéne, etc., é nessa imponderável combinação que temos uma peça de Arte indefinível e única, pessoal. É isso que P.T. Anderson volta a entregar neste filme que é seu, tão seu, mas também suficientemente generoso para deixar os actores entregar personagens que os transformam, eles nas personagens e as personagens neles. Phantom Thread é Cinema sem filtros, é um bailado de imagens que ligam-se entre elas como as linhas que cozem e unem os vestidos da personagem principal. É Cinema de meias palavras e double entendre, de vida e de morte, do que vale a pena sentir e viver. É um épico cujo palco é o de uma casa e de uma loja. O do olhar e do corpo de duas pessoas apaixonadas.
Daniel Day-Lewis entrega uma personagem conturbada, mimada, obcecada, e cujo mundo perfeito e ordeiro é disruptado pela presença de uma mulher, a interpretada por Vicky Krieps. Quase desconhecida, entrega uma prestação que não só rivaliza com o gigante irlandês mas que o chega a superar, tal a força, magnetismo e potência da sua personagem e interpretação - não ser candidata a Óscar de Melhor Actriz é a maior falha deste ano. Nenhum dos intérpretes é menor. Os dois enfrentam-se e complementam-se, como actores e personagens, de forma simbiótica.
A observá-los está o sempre fabuloso Paul Thomas Anderson que, até o momento, não fez (para mim) um único filme mau ou sequer mediano. Muito à semelhança de The Master e There Will Be Blood, o realizador fala-nos de um homem obsessivo-compulsivo mas genial que é confrontado com a presença de uma outra personagem, confrontacional e antagónica, que perpetuamente questiona a sua existência e objectivos (será que P.T. e Day-Lewis falam sobre si mesmos?). Neste caso, é o Amor encarnado, num dos mais belos elogios a este sentimento que o Cinema já nos deu. Eu sei que estou a exagerar mas este filme enaltece, no que a mim diz respeito, esta Arte. Aplausos de pé!
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