(Um dia, alguém disse-me que tinha adquirido uma colecção de livros de lombada azul cartonada porque combinava com a decoração da sala. Os livros não são para ficar bem na prateleira. Não são para se saber o autor, o nome e a história e exibi-los como conhecimento num Concurso de TV. São para ser lidos sofregamente, com pouca ou muita velocidade mas com prazer. São para dobrar-se e vincar-se - custa-me, contudo -, são para emprestar. São. Para. Ler.
Nesta rubrica falo mais de prosa do que outra coisa qualquer. Mas nunca se sabe se aparecerá algo diferente)
Jonathan Franzen tem um mantra que considera essencial para os escritores em Democracia: "ligar o leitor à realidade sem abdicar do princípio do prazer" (vide Ipsilon 04/09/2015). O meu lado inseguro e pedante desconfia desse prazer que existe ao ler Jonathan Franzen. Já tinha acontecido com Liberdade e repete-se com Purity. O autor é considerado uma das mais prestigiadas vozes literárias dos EUA; amante dos russos Tolstoy e Dostoievski; os seus livros são acontecimentos que pessoas tão díspares como Oprah e Obama assinalam como imperdíveis; e, mais ainda, foi eleito pela Time como uma das grandes vozes da Literatura das terras do Tio Sam. Este currículo vale zero se não existir prazer. O que não é o caso, daí o que escrevi na primeira frase - ou será a minha educação e herança cultural judaico-cristã que invade o prazer e transforma-o em pecado?
Não é por acaso a alusão à herança cultural quando se fala de Franzen, um homem tão profundamente americano na sua escrita, nos seus personagens, na sua Literatura, que ter como referência esse farol apenas nos pode ajudar a compreendê-lo e a melhor ler a sua prosa escorreita. Os enredos de Franzen são, regra geral, enganadoramente simples, com poucos personagens (em Purity os protagonistas são apenas cinco), cada um representando um lado de uma dicotomia, a maior parte dela de pendor político: o republicano vs o democrata; o ecológico vs o industrialista; o sagrado vs o profano; o religioso vs o ateu. Desenganem-se se acham aqui existir uma receita para a simplicidade. Os enredos são (como já o referi) tudo menos básicos e as personalidades são complexas e exploradas ao pormenor, com uma acutilância e leitura das manias e inclinações do ser humano como muitas poucas vozes o conseguem. É aqui que se nota a influência e gosto que Franzen tem pelos russos, principalmente Tolstoy. A sensibilidade e destreza na descrição de cada momento de pensamento é, ao mesmo tempo, familiar e nova. Os personagens vivem na capacidade deste autor em guiar-nos por processos de raciocínio e por personalidades que são ao mesmo tempo complexas e banais. As emoções descritas (quase) sem floreados, são um corropio que deslumbra a atenção e acelera a leitura. É impossível não ser agarrado não tanto pelo enredo (que é importante, sempre, mas parece estar em segundo plano) mas pelas personagens Purity, Andreas Wolf, Leila Helou, Tom Aberant e Anabel Laird, um quintento envolto numa rede de destino que os aproxima numa mesma história.
Ao contrário de Correcções e de Liberdade, Franzen opta em Purity pelo desarranjo cronológico, indo atrás e à frente no tempo (lembrem-se de Tarantino em Pulp Fiction) quando quer melhor ilustrar e contextualizar algo que revelou em páginas anteriores. Nas mãos e talento de outros esta forma de narrativa poderia resultar menos clara, mas nas de JF é elucidatória, clarificando comportamentos passados e descortinando o futuro. Ao mesmo tempo, ao descobrirmos as motivações e história dos personagens pelo embrenhar, em pormenor, nos seus passados (geralmente) conjuntos, percebemos o peso da herança genética, da herança educativa, em suma, do peso dos pais e dos seus (muitos) erros. Acaba por ser uma novela americana sem perder o código genético clássico.
Purity foi lançado em 2015 e é um espelho, tal como Liberdade já o era, apontado a este mundo moderno, pós-internet, pós-twiter, pós-verdade. Jonathan Franzen é enganadoramente americano, porque neste mundo globalizado e unido pela velocidade da Web, as suas histórias são um reflexo da complexa narrativa destes tempos a uma escala mundial.
Jonathan Franzen tem um mantra que considera essencial para os escritores em Democracia: "ligar o leitor à realidade sem abdicar do princípio do prazer" (vide Ipsilon 04/09/2015). O meu lado inseguro e pedante desconfia desse prazer que existe ao ler Jonathan Franzen. Já tinha acontecido com Liberdade e repete-se com Purity. O autor é considerado uma das mais prestigiadas vozes literárias dos EUA; amante dos russos Tolstoy e Dostoievski; os seus livros são acontecimentos que pessoas tão díspares como Oprah e Obama assinalam como imperdíveis; e, mais ainda, foi eleito pela Time como uma das grandes vozes da Literatura das terras do Tio Sam. Este currículo vale zero se não existir prazer. O que não é o caso, daí o que escrevi na primeira frase - ou será a minha educação e herança cultural judaico-cristã que invade o prazer e transforma-o em pecado?
Não é por acaso a alusão à herança cultural quando se fala de Franzen, um homem tão profundamente americano na sua escrita, nos seus personagens, na sua Literatura, que ter como referência esse farol apenas nos pode ajudar a compreendê-lo e a melhor ler a sua prosa escorreita. Os enredos de Franzen são, regra geral, enganadoramente simples, com poucos personagens (em Purity os protagonistas são apenas cinco), cada um representando um lado de uma dicotomia, a maior parte dela de pendor político: o republicano vs o democrata; o ecológico vs o industrialista; o sagrado vs o profano; o religioso vs o ateu. Desenganem-se se acham aqui existir uma receita para a simplicidade. Os enredos são (como já o referi) tudo menos básicos e as personalidades são complexas e exploradas ao pormenor, com uma acutilância e leitura das manias e inclinações do ser humano como muitas poucas vozes o conseguem. É aqui que se nota a influência e gosto que Franzen tem pelos russos, principalmente Tolstoy. A sensibilidade e destreza na descrição de cada momento de pensamento é, ao mesmo tempo, familiar e nova. Os personagens vivem na capacidade deste autor em guiar-nos por processos de raciocínio e por personalidades que são ao mesmo tempo complexas e banais. As emoções descritas (quase) sem floreados, são um corropio que deslumbra a atenção e acelera a leitura. É impossível não ser agarrado não tanto pelo enredo (que é importante, sempre, mas parece estar em segundo plano) mas pelas personagens Purity, Andreas Wolf, Leila Helou, Tom Aberant e Anabel Laird, um quintento envolto numa rede de destino que os aproxima numa mesma história.
Ao contrário de Correcções e de Liberdade, Franzen opta em Purity pelo desarranjo cronológico, indo atrás e à frente no tempo (lembrem-se de Tarantino em Pulp Fiction) quando quer melhor ilustrar e contextualizar algo que revelou em páginas anteriores. Nas mãos e talento de outros esta forma de narrativa poderia resultar menos clara, mas nas de JF é elucidatória, clarificando comportamentos passados e descortinando o futuro. Ao mesmo tempo, ao descobrirmos as motivações e história dos personagens pelo embrenhar, em pormenor, nos seus passados (geralmente) conjuntos, percebemos o peso da herança genética, da herança educativa, em suma, do peso dos pais e dos seus (muitos) erros. Acaba por ser uma novela americana sem perder o código genético clássico.
Purity foi lançado em 2015 e é um espelho, tal como Liberdade já o era, apontado a este mundo moderno, pós-internet, pós-twiter, pós-verdade. Jonathan Franzen é enganadoramente americano, porque neste mundo globalizado e unido pela velocidade da Web, as suas histórias são um reflexo da complexa narrativa destes tempos a uma escala mundial.
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