Hell and High Water de David Mackenzie

Neste novo filme de David Mackenzie parece que os personagens que compõem o drama pouco mais são que fantasmas. Resquícios de uma era passada, à espera de passar o testemunho a uma geração nova, distraída do seu papel mas adaptada à nova realidade, qualquer que ela seja. Nas planícies de horizonte infinito do Texas, dois irmãos têm um plano que envolve assaltar diversos bancos de uma mesma empresa e pagar a dívida de um deles com esse mesmo dinheiro. Do outro lado da lei, estão dois polícias: um quase a atingir a idade de reforma e outro ainda longe disso mas já a sonhar com os preguiçosos dias da terceira idade. Obviamente que os segundos estão no encalço dos primeiros mas este está muito longe de ser um filme de polícias e ladrões.

Este é um filme sobre a crise económica de 2009, das consequências da mesma, dos bailouts de bancos e de todos os que sofreram com as prevaricações não vingadas daqueles que os geriam. Ironicamente, passa-se no estado do Texas, em vilas perdidas e abandonadas, onde pouco resta e nada sobra. Este é um filme de substituições. De como, por mais tempo que achamos que uma tradição dura, ela pouco representa no inabalável passar das eras. São referidos exemplos de forma repetida, como um mantra, de humanos que desapareceram, desde os homens das cavernas até os nativos dos EUA, agentes do tempo onde existiram e obsoletos na geração que se segue. É também de gerações que Hell and High Water fala, das que tentam que as próximas persistam, porque mais adaptadas. Das que, ao tentar, sublinham a sua própria incapacidade de adaptar-se e de subsistir num mundo novo que desconhecem. Um mundo novo que é o resultado dos destroços de um antigo em que acreditavam e que uma Crise (a tal de 2009) devastou. Essa é apenas a desculpa para, neste filme, falar de temas que são queridos, da devastação imposta por uns poucos a uns muitos, das injustiças criadas por um sistema bancário corrupto e moralmente falido. De como as vidas de milhões valem menos que a inabalável crença em instituições monolíticas úteis mas não tanto quanto quem as criou (nós, Homens, se querem mesmo ler as palavras). Tudo tecido por uma narrativa ironicamente devastadora:  roubar ao Banco para lhe devolver, pagando dívidas. Dificilmente poder-se-ia sintetizar a crítica mais forte ao sistema.

Este é um filme que segue a premissa "show, don't tell", tão querida pelo escritores, de forma magistral. Ao espectador é deixado espaço para concluir acerca da verdadeira narrativa do filme e das camadas que quer explorar. É tanto um dos melhores do ano que tive de refazer a lista dos filmes que mais gostei neste ano de 2016.

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