Julieta de Pedro Almodóvar

Pedro Almodóvar sempre esteve confortável na poltrona de autor. Nunca alinhou-se em linguagens mais generalistas de cinema. Olhamos para um filme seu e sabemos que estamos dentro da sua cabeça. Os matizes inclinam-se para as cores garridas, assumidas, como em reflexo da geografia do sol de Espanha. As emoções são dançarinas e gritantes, porque a falta de contenção latina a isso o obriga. E os personagens principais são, muitas vezes, as mulheres. A mãe, a filha, a avó, a jovem, a mulher, a velha, espécie de Parcas ao estilo ibérico. Mesmo não sendo os personagens principais sempre pareceram-me parte condutora (manipuladora?) do destino de todos à sua volta. Esta assinatura, que marca os realizadores que fazem vingar a sua personalidade no Cinema, faz com que reconheçamos um filme de Almodóvar à distância. Basta ligar as sensações.

Julieta é a história, sim, de uma mulher. Começamos na sua meia idade, migramos para a juventude e voltamos ao momento inicial. No meio, conhece homens, tem uma filha e perde ambos. De diferentes formas. Parece que o controlo de destino de que vos falei no parágrafo acima não é uma característica desta Julieta de Almodóvar. Talvez assim seja mas, ao mesmo tempo, a personagem exerce pressão sobre os caminhos que ela e os outros seguem. De forma subtil e quase tirânica. Ao ponto de infligir rupturas que a ferem e, principalmente, ferem os que lhe estão à volta. 

O realizador em mais do que um filme pinta o sexo masculino em pinceladas que não são totalmente abonatórias. Alguns são animais, vergados a uma essência primal. Em Julieta, Almodóvar afasta-se desse quadro. Os Homens deste filme (são dois no total) são diferentes, mais suaves e, acima de tudo, vítimas da protagonista e dos seus desígnios de tecedeira. Assumem-se como coadjuvantes numa história maior e acabam por ser vítimas (conscientes disso ou não) dela mesma. Não é por acaso que Julieta seja professora dos clássicos gregos e que, quando encontra o pai da sua filha num comboio, esteja a ler um livro sobre a Tragédia Grega. Sim, obviamente que é uma preparação para o enredo que aí virá mas, como venho a tentar dizer de forma atabalhoada, ela não é vítima dos Deuses. Ela própria é um Deus. Mais do que um Deus. Ela é a única força a que os Deuses também se vergam: o destino. Contudo, e como se verá ao longo do decorrer da história, até a encarnação do Destino pode sucumbir à sua própria natureza.

Pedro Almodóvar está de volta e em grande forma. 

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