Estas duas Bandas Desenhadas não poderiam ser mais diferentes. O que prova a incrível vitalidade da 9.ª Arte e dos seus artistas, capazes de combinar imagem e texto de formas tão diferentes. Drinking at the Movies de Julia Wertz foca-se, ao estilo de cartoons de jornais, em vários episódios da vida de uma jovem artista de BD em início de carreira quando muda-se para Nova Iorque. Rugas de Paco Roca aponta para o outro lado da nossa vida, o dos últimos dias, o de quando a morte começa a tirar-nos as medidas. Claro que o que focam é importante mas a forma como o fazem é que é a tal prova da diversidade da BD.
Drinking at the Movies é um relato especialmente cândido e honesto de uma jovem desalinhada. Com vontade de mudar de ares, deixa a sua terra natal de São Francisco e vai para a Grande Maçã. Ao longo de muitas páginas, Wertz tece o retrato autobiográfico das suas lutas com apartamentos lúgubres de Brooklyn, de empregos onde aos poucos evolui de medíocre para nada de especial, de namoros onde dificilmente ajusta-se, isto tudo ao mesmo tempo que lida com um problema crescente de alcoolismo. Como disse, Wertz é especialmente honesta com vários pormenores da sua vida, começando pela sua personalidade tangencialmente anti-social e acabando numa vida tão pouco glamorosa que acaba por ser romântica. Escolhe, para estas histórias, o estilo de narrativa episódica típico de cartoons, o que enaltece a vida sem rumo que teve na sua estadia em NY. Tudo acontecia quase em detrimento de si mesma. Não esperem, portanto, um final redentor e discursos onde aprende-se lições de vida. Essas, provavelmente, nunca virão.
Também não existe nenhuma lição particularmente pungente em Rugas de Paco Roca e digo isto como o maior dos elogios. Como em quase tudo o que vale a pena no que nestas coisas da Arte e da narrativa diz respeito, não interessam as lições, interessam os caminhos. A vida, muito raramente, oferece-nos finais redondos de bandeja. Temos de colar as peças e fazer da vida o nosso próprio puzzle. Rugas é o relato ao mesmo tempo humorístico e duro de como é chegar aos últimos dias da nossa vida. Enfiados, neste caso, num lar, confrontados com várias doenças, a maior parte relacionadas com a demência. O que poderia ser uma narrativa delicodoce ou apelativa de lágrima fácil, pela mão de Roca transforma-se em ironia caustica, em episódios de força emocional. Os vários protagonistas são obviamente confrontados com os momentos derradeiros da sua existência mas transformados em algo amargo pela mão dura da doença. Não a física mas a mental. Aquela que nos rouba o tempo que a memória guardou. Aquela que é um buraco negro que apaga os contornos de luz que foram a nossa vida. Tudo parte-se e não volta a colar-se. As faces nada mais são que rascunhos. Os actos são apenas momentos sem seguimento. Não há horas. Não há dias. Há espera e segundos. Nada mais.
Duas extraordinárias BD's que podem ou não ser lidas juntas. Eu tive essa sorte.
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