A série de TV não é, de todo, um fenómeno recente mas, nos últimos 15 anos, amadureceu e transformou-se numa das grandes formas de entretenimento. A culpa recai, como acontece em tantas outras coisas, na necessidade. Aquela que é a mãe de todas as invenções. Gosto de pensar que a criatividade e a inovação artística estavam a perder lastro em outras formas visuais como o Cinema. Apesar de existirem muitos exemplos de liberdade e invenção criativa na 7.ª Arte, por motivos que variam entre o financeiro e o de formato (bem vistas as coisas, um filme dura, em média, 2 horas), muitos autores tinham a imaginação um pouco limitada. Principalmente o escritor, conhecido por ser apenas como uma das partes do processo de fazer Cinema, sendo sempre a voz do realizador aquela que dá a última palavra. Ora, a Série de TV (notem como já escrevo em letras capitais) possui algo que é parco no Cinema: tempo. Uma Série poderá estender-se por longas horas, desenvolvendo enredos, analisando personagens ao detalhe da loucura, criando um tecido pormenorizado. Basta, para isso, que o escritor assim o deseje e tenha talento para tal. A Série já foi considerada por melhores pensadores que eu como a Literatura do Tempo Moderno, o Romance em forma visual. Quem viu Os Sopranos, The Wire, Breaking Bad, etc., sabe do que falo.
Ora, era apenas uma questão de tempo para que a BD, outra forma de arte que gosta de demorar o seu raciocínio, procurasse formas alternativas de espalhar as suas histórias e, apesar do Cinema oferecer o arcaboiço financeiro para o Efeito Visual, é na TV que está, a meu ver, o formato perfeito para as histórias rocambolescas, longas e labirínticas da 9.ª Arte. Já existiram muitos e muitos exemplos de séries de TV baseadas em BD mas, na maior partes das vezes, escolhiam o enredo episódico ou infanto-juvenil (não que haja nada de mal com isso). Esse panorama parece estar a mudar, principalmente com o negócio que a Marvel fez com a Netflix, com o intuito de produzir histórias mais adultas e que não deixam de estar alicerçadas no seu universo cinematográfico. Começou com o excelente Daredevil (Demolidor em português) no início deste ano e continua com este Jessica Jones.
Ao contrário do Demolidor, a personagem de Jessica Jones é practicamente desconhecida do púbico em geral. Criada em 2001 pelo prolífico escritor Brian Michael Bendis e pelo desenhador Michael Gaydos, foi protagonista de duas séries de curta existência (para os padrões dos EUA): Alias e Pulse. A primeira é mais conhecida e adulta e aquela onde a mulher que dá nome à série de TV teve um prolongado desenvolvimento pela imaginação dos seus dois criadores. No início do século, a Marvel tinha uma necessidade: sair do buraco financeiro e criativo criado pela tenebrosa década de 90. Joe Quesada, o editor-chefe, foi buscar o talento de um escritor independente, Bendis, para dar nova vida a várias personagens antigos (os Vingadores), ao mesmo tempo que lhe deu liberdade para criar novos conceitos que, contudo, não deixassem de estar alicerçados no universo de super-heróis da Marvel. Assim nasceu Alias, onde criava Jessica Jones e, ao mesmo tempo, dava nova vida a um antigo personagem da Marvel, Luke Cage, por quem Bendis nutria um amor profundo (depois utilizou-o na sua reinvenção dos Vingadores). É deste DNA que nasce a excelente série de TV Jessica Jones, com a parceira Marvel/Netflix.
São apenas cinco os homens que fazem parte de um elenco totalmente feminino. Desses, dois são abusadores e violentos. O terceiro é Luke Cage. Os outros dois vítimas de uma forma ou de outra. Esta é uma série sobre controlo e sobre o abuso que dele se faz ou não fosse o vilão principal Killgrave, conhecido na BD por Homem-Púrpura (na série afastam-se desse tom de pele), capaz de ordenar quem quer que seja a fazer o que ele quer apenas pelo uso da voz. Jessica Jones é um investigadora privada nas ruas de Hell's Kitchen, bairro nova-iorquino onde também reside o Demolidor, e marcada por um encontro com Killgrave. À sua volta orbitam outros fabulosos personagens femininos, construindo um todo forte capaz de carregar, sem esforço, o enredo. Os treze episódios vêem-se sem problemas (pelo menos para mim) e foi uma boa forma de começar a aproveitar o meu mês gratuito da Netflix. Não pretendo fazer mais considerações para vos dar o prazer de apreciar, virgens, mais uma excelente série desta parceira entre a Marvel e a Netflix. A continuar assim, os filmes não são necessários. Façam tudo na TV. A BD merece.
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