A "marca" Comic Con existe nos EUA há várias décadas. Como é do conhecimento geral, a palavra Comic é a designação oficial para Banda Desenhada em terras estado-unidenses. As Cons, por seu lado, não são mais que conferências, reuniões entre fãs e artistas, produtores, editoras, etc. Ou seja, um ponto de encontro entre os que ou amam, ou gostam ou têm apenas curiosidade pela Arte, e aqueles que a produzem. Porque estamos a falar de algo criado por norte-americanos, estamos também a falar de algo com um sabor muito especial, regional se assim quisermos. Há extravagância, envolvimento, comércio, uma partilha comunal em volta de uma Arte que, para muitos, é também um modo e filosofia de vida.
Pela primeira vez apareceu em Portugal uma Comic Con e tive o prazer de comungar no Sábado, dia 6 de Dezembro de 2014, com 32 mil outros loucos nesta celebração que não se cinge apenas à BD, mas extrapola-se para outras Artes da cultura dita popular (Pop para quase toda a gente): cinema de género; Séries de TV; jogos de computador; etc.
Confesso que fiz parte dos cépticos quanto à capacidade de Portugal ser palco de um evento deste género. Faz parte da genética do país desconfiar da nossa capacidade de organização e da nossa vontade de adesão. É um fado e uma tragédia (passo o pleonasmo) que nos persegue e que faz de nós aquilo que somos. Dito isto, dizer que fiquei agradavelmente surpreso com a dimensão e qualidade do evento é ser, no mínimo, eufemístico. Estava a pensar numa festa de vão de escada e sai-me uma rave no Mosteiro do Jerónimos.
Como disse anteriormente, fui apenas no Sábado. Não me arrependo e fiquei com o sabor apurado para os anos que se seguirão. Entrei à tarde no recinto e dirigi-me imediatamente para o painel que tinha vontade de ver: Brian K. Vaughn e Marcos Martin a falar da sua nova BD digital, Private Eye. Enquanto caminhava para o dito evento apercebi-me de enormes filas para entrar em outros painéis e depressa comecei a aperceber-me que as minhas expectativas baixas poderiam ter sido fruto do código genético. A muito esperada "conversa" com Vaughn e Martin foi tudo o que eu poderia esperar mas com sabor a casa. A plateia, não estando a abarrotar, estava devidamente composta. Falou-se da dita colaboração entre os dois, do futuro da BD, do conflito entre o papel e o digital, de trabalhar para a Marvel e a DC versus ser independente, etc.
Acabado o painel, era "urgente" encaminhar-me para a área de autógrafos para recolher uma pequena assinatura de Vaughn, Martin e Carlos Pacheco (este último conhecido por trabalhos nos Vingadores, X-Men, Quarteto Fantástico, etc.). Do primeiro autografei o primeiro volume de Y: The Last Man e também o primeira compilação da minha BD favorita da actualidade, Saga. Do segundo, o seu primeiro trabalho no Homem-Aranha e do terceiro os seis primeiros números de Avengers Forever. Missão cumprida sem soluços, de forma ordeira e sem stresses.
Segue-se o périplo pelo recinto e a surpresa pela dimensão consolidou-se em granito (pedra apropriada à zona do país, para quem não está dentro destas coisas da geomorfologia). Gente e mais gente e mais gente em deleite completo numa enorme catedral dedicada à religião da cultura popular. Uma das maiores e mais deliciosas celebrações residiu na forma dos dedicados cosplayers, que enfeitavam com tons de carnaval e amor o espaço, gritando aos sete ventos o que, porventura, já guardavam à anos.
Todos se passeavam e amontoavam, os olhares roubavam maravilhas. A zona comercial era vibrante. Os visitantes amontoavam-se a comprar tudo desde livros, a DVD's, a porta-chaves, algo que envergasse a imagem ou o símbolo dos seus personagens favoritos, daquela cultura que, secretamente, sorviam no sossego do quarto ou da sala. Tive ainda a sorte de encontrar um outro ídolo da BD, Miguelanxo Prado, que me fez um desenho e uma dedicatória em Árdalen (ficou apenas a faltar Pia Guerra que, apenas por preguiça, não consegui). Dificilmente poderia ter-me corrido melhor.
Obviamente que um evento desta dimensão e que é organizado pela primeira vez em Portugal terá de ter os seus soluços, os seus problemas mas, sinceramente, na minha experiência eles não aconteceram. Antes vi apenas um sucesso de adesão, algo que, dificilmente, se vê em Portugal a não ser em feiras gastronômicas ou de noivos. Apenas posso ficar maravilhado com a quantidade de outros como eu, assoberbados por uma paixão (claro que nem todos os visitantes e, se calhar, nem a maioria). Curiosamente, fez-me lembrar de outro evento, o MoteLx, festival de cinema de terror em Lisboa. De facto, a cultura geek, popular - tudo termos que não aprecio, mas adiante -, estas Artes... estão a tomar conta do mundo.
Há algo de primordial nisto. Um regresso aos personagens maiores que a vida, fantásticos, que nos transportam para mundos que não existem mas cujas lições e psicologia são mais reais que muitas outras histórias. Homero estaria orgulhoso.
PS - Estive várias vezes na Comic Con de Nova Iorque e posso afirmar que não me senti, nem por um segundo, envergonhado pelo que vi. Parabéns, Portugal.
PS II - O Porto é a cidade perfeita para este evento. E olhem que sou ferrenho lisboeta. A proximidade a Espanha mais do que justifica que a Comic Con continue a fazer-se aqui.
2 comentários:
Amén, Sam!
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