O personagem Thor sempre foi dos meus favoritos na Marvel. Gosto especialmente do ambiente mitológico e maior que a
vida. Gosto dos discursos grandiloquentes e do constante estado de ameaça aos
mais básicos fundamentos cosmológicos e cosmogónicos do universo. Nas suas
aventuras nunca está em causa se os personagens conseguem dinheiro para pagar a
conta de hospital da tia querida e muito doente (o Homem-Aranha, para quem não
sabe, e que eu adoro). Aqui é toda a existência que está em constante perigo.
Por via disso, tantas vezes são reveladas Verdades elementares da Vida, do
Tempo e da Realidade (sim, tudo com letras capitais). Pelo menos as Verdades do
universo da Marvel porque isto é puro
entretenimento e não um tratado metafísico e filosófico com laivos de
pedantismo pedagógico. Thor sabe
pelo que vive, não pelo que reflete. Existe aqui alguma coisa de freudiano, mas não
me vou imiscuir por aí. Deixo-o para o leitor.
Como para muitos portugueses, os
primeiros contactos com o personagem foram na saudosíssima revista da Editora
Abril, Heróis da TV (para ser preciso,
a número 39, onde enfrentava a Deusa Viking da Morte, Hela, com desenhos do brilhante John Buscema). Ao longo do tempo, a
publicação foi nos dando mais e mais aventuras do Deus do Trovão, saltando algumas histórias que, na altura, eu não fazia ideia quais seriam ou se eram importantes. Um desses saltos foi entre a história do falso Ragnarok, o crepúsculo dos deuses,
escrito por Roy Thomas, e a famosa run
(conjunto de histórias de um mesmo autor) de Walter Simonson. Anos mais tarde
descobri que entre essas duas sagas existiu uma outra, The Eternals Saga, que nunca foi vista pelas bandas de Portugal.
Fiquei imediatamente curioso porque misturava um dos meus personagens
favoritos com os conceitos mirabolantes do brilhante Jack Kirby, rei da BD
americana. Estava longe de mim saber a importância que esta saga tem não só
para a cosmogonia da Marvel como para
esta versão do Deus do Trovão. Importância que, suspeito, a própria editora já
se deve ter “esquecido”.
Quando, em 1976, Jack Kirby
regressou à Marvel depois de uns anos
na DC Comics, começou imediatamente de forma operática, criando uma nova mitologia de criação. Nasciam os Celestiais, gigantescos deuses
astronautas que criaram a humanidade, além de duas estranhas raças: os Eternos e os Deviantes (para os fãs mais atentos, os Celestiais chegam a aparecer no novo filme da Marvel, Guardiões da Galáxia).
Infelizmente, a revista onde estes conceitos foram criados, The Eternals, teve vida muito curta e
acabaria pouco menos de dois anos depois no número 19. Claro que a editora de
BD não perdeu muito tempo e não quis, por um lado, deixar a saga inacabada e,
por outro, não deixar de aproveitar os maravilhosos conceitos criados pela
vertiginosa mente de Kirby. Assim sendo, que outro palco seria mais apropriado
do que aquele de Thor, o Deus do Trovão,
e o único personagem constantemente envolvido neste tipo de ambiente? Na
revista homónima e durante cerca de dois anos, entre 1979 e 1980, o escritor
Roy Thomas pega na tapeçaria tecida por Kirby e interliga-a com o universo Marvel de uma forma geral e, mais
especificamente, com a da mitologia nórdica de que Thor faz parte. Ao mesmo tempo, explica o nascimento da raça Asgardiana, de Odin, quem é a mãe de Thor, coloca um "ponto final" na história contada até então na revista do personagem (sim, desde a primeira aparição em 1962), qual o papel das diferentes raças divinas na cosmogonia da Marvel (greco-romana, inca, viking, hindu), para que servem o Destruidor e a gigantesca espada que há
muito aparecia em Asgard e ainda
arranja tempo (e muito) para falar de como a ópera de Wagner, O Anel dos Nebilungos, se entretece com
isto tudo. Grandiloquente e ambicioso? Pois, bastante.
Sinceramente, não sei se o
trabalho exaustivo que Thomas fez é ainda parte do cânone Marvel mas tampouco me interessa. Incrível como deixei passar tanto tempo sem ler esta magnifica história. Isto é pura
pornografia super-heroística, mitológica e cosmogónica. Há de tudo o que falei
no primeiro parágrafo deste post. Contudo,
nem tudo são vantagens porque, à boa maneira da altura, é necessário saber um
conjunto de coisas para compreender de forma total o alcance da história e, por
vezes, a própria história. Na altura, a componente “amigável ao leitor” não era
muito tida em conta. Ainda assim, isto é um maná para os fãs hardcore de
super-heróis, com longas explicações de eventos, mistura de inúmeros conceitos,
retroatividade (vocês sabem o que isso quer dizer), explicação “coerente” de
enredos aparentemente contraditórios. Pode ser chato mas também incrivelmente
divertido.
Esta é daquelas histórias que não
são, decididamente, para o leitor casual de super-heróis. Mas qualquer história
que finalmente me revele o destino dos Young
Gods, de Hildegard, do papel dos Celestiais e do fim da sua Quarta Visita, é algo de (maravilhosamente)
bom. Foram precisos vinte e tal anos mas valeu a pena.
PS –Um zumbido diz-me que esta história será mais importante do que
aquilo que possamos supor. Não só para o universo BD da Marvel como também do
cinema.
6 comentários:
Acho que isto daria uma excelente compilação num bom capa dura... os TPB estão esgotados!
;)
Abraço
Sim, mas acho que não vais ter de esperar pela capa dura. O volume Epic Collection respectivo não deve tardar a aparecer.
Foi a ler estes TPB (que comprei em saldo) que finalmente compreendi porque é que a Editora Abril cortava páginas. Ao fim de pouco tempo comecei a saltar o recontar do número anterior.
Obrigado, Paulo, pelo comentário.
Sim... tb fiz isso. No segundo volume já não preocupava em ler os resumos.
Noutro assunto, continuo a não entender porque a Abril cortou esta história. ;-)
Eu também não, mas tenho uma teoria. Se fores à procura dos velhos Heróis da TV, vais ver que estes dois TPB vêm no seguimento do HTV nº 99.
No entanto, o Thor era dos que tinha a cronologia mais atrasada e eles queriam adiantar por causa das Guerras Secretas. Por isso deram o salto para a fase do Walt Simonson, que era visualmente mais espectacular, apesar das fases do Moench e do Zelenetz, que finalmente deram alguma personalidade e relevância ao Don Blake (e que terminam precisamente no número anterior à chegada do Simonson), também eram boas.
Finalmente, não fazia sentido explicar as pontas soltas dos Eternos, porque eles retiraram o título da Superaventuras Marvel depois do nº 13.
Obrigado, Paulo, pelo comentário.
Não me lembrava exactamente onde tinha ficado a história do Falso Ragnarok (os meus Heróis da TV estão guardados em arrecadação em caixas ;-). Obrigado pelo acrescento.
Ainda assim, e apesar de obviamente partilhar da opinião de que a fase Simonson é brilhante em mais sentido do que apenas um, fico com pena de esta Eternals Saga não ter sido publicada na altura. Revelava partes bastante interessantes da cosmogonia Marvel - que, repito, não sei se ainda são válidas.
Quanto à fase que se segue a este, está na lista. Já tenho o Epic Collection que segue a numeração imediatamente depois.
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