Os filmes de Céline Sciamma não costumam ser fáceis. Recusam-se a refugiar-se em arquétipos delicodoces da adolescência. Assim o foi com os dois filmes que vi da realizadora francesa. Primeiro a Naissance des Pieuvres, que relatava o despertar sexual de jovens de 15 anos - e onde revelava-se o talento de Adèle Haenel, que venceu o César deste ano com Les Combattants. Segundo, este Bando de Raparigas (não vi Tomboy), uma análise crua da realidade de quatro raparigas nos subúrbios de Paris.
Esta é a história de quatro raparigas sistematicamente empurradas para as franjas, para o esquecimento, não só por um mundo que as relega para segundo plano, que não encontra soluções para as proteger, que não lhes dá as mesmas chances que a outras, mas também por aqueles que as deveriam aconchegar: os seus congéneres; a sua família. Apoiam-se umas nas outras e também na frenética busca de pequenos (enormes) prazeres da vida, prazeres que sabem que lhes serão negados na vida adulta. Há quase que uma tentativa de Fast Foward, de suplantação da passagem do tempo, para que sintam hoje aquilo que sabem que não sentirão amanhã. Esta tragédia, porque é mesmo disso que se trata e não no sentido teatral do mesmo, é tanto maior quanto é precedida de um "por favor, salve-me", palavras que a protagonista (há uma rapariga que Céline acompanha mais) profere a um tutor de quem nunca vemos a cara. Bastava mais uma oportunidade? Ou, como diz a história, não terá já tido todas as chances? Respondo com uma pergunta: como é possível uma rapariga de 16 anos já ter todas as soluções esgotadas? A jovem acha que não. Ela tentará, até o último fôlego, a vitória como pessoa, primeiro, mas também e de forma tão importante, como mulher. Porque este é também uma realidade onde o homem é um predador voraz, alguém que procura, de forma mais ou menos subtil, a suplantação da fêmea. Essa mensagem é claramente sublinhada logo ao início. Várias raparigas voltam de um treino de futebol americano. À medida que o grupo esvazia-se, acompanhamos a protagonista até ao ponto em que está sozinha. À volta, nas sombras de pontos elevados, os "machos" aguardam, mandam piropos. A atmosfera de medo é palpável.
Céline não filma estas raparigas de forma desapaixonada. Acompanha-as não só com uma cinematografia doce e uma banda sonora delicada, como entra na sua intimidade, nos seus rituais de adolescente, dos tais enormes prazeres que procuram no dia a dia: no lip-sync da música do momento; nas idas às lojas de roupa; nas trocas de beijos com os namorados. Esse virtuosismo faz deste filme uma experiência corajosa e realista e um dos momentos mais interessantes do cinema.
É curioso o título inglês deste filme ser Girlhood, nma espécie de referência a Boyhood de Linklater. Pouco ou nada têm a ver um com o outro - apenas uma observação e não um julgamento de valor.
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