Jafar Panahi, pouco depois de este seu novo filme iniciar-se, é abordado por um conterrâneo, um jovem estudante de realização, e este pergunta-lhe por ideias para uma curta. Já tinha lido vários livros e tinha visto vários filmes na busca de inspiração e até agora nada lhe havia ocorrido. Jafar Panahi responde que todos esses filmes e todos esses livros já tinham sido filmados e escritos. Ele teria de encontrar a sua própria narrativa. A alusão parece óbvia. Jafar foi proibido pela censura iraniana de filmar. Decide então agarrar várias câmaras a um táxi e construir a sua história, fazer o seu novo filme dentro das restrições que lhe foram impostas. E que belo filme. Um panfleto à liberdade da arte, ainda que restrita pela lista de "conselhos" das autoridades do Irão. Um manifesto obrigatório para quem gosta de, sim, liberdade, mas mais do que isso. Para quem gosta de apregoar que não existem meios ou dinheiro para fazer Arte, quando basta uma boa história, talento e câmaras simples e compradas por tusto e meio. Não interessam os meios técnicos. O que interessa é a intenção do autor, da sua capacidade de tecer uma história. Tudo o resto são desculpas (ou falta de talento).
Neste falso documentário, enquanto o Táxi vagueia pelas ruas de Teerão, passeiam-se vários "cromos" que, de uma forma ou de outra, ilustram uma narrativa aparentemente linear mas que, na realidade, é um testamento alegórico não só da situação do país natal do realizador, como também da necessidade da Arte de se expressar e do próprio Cinema em ser uma linguagem de registo da realidade. Em mais do que um episódio, a câmara de filmar assume-se não só como elemento de registo do filme mas também como personagem. Dois dos passageiros de Panahi vêem necessidade de usar a câmara (uma de telefone, outra das pequenas de férias) para registar um momento importante, num dos casos, e para contar uma outra história dentro desta mesma, no outro. Este último envolve a pequena sobrinha do realizador enquanto tenta fazer um trabalho para escola, mas dentro dos trâmites impostos pela professora e que em nada se diferenciam daqueles a que o Tio tem sido sujeito pelo governo iraniano. Este episódio da sobrinha vale muito mais do que apenas por este paralelismo. Acaba por ser, acima de tudo e de forma bem mais relevante, como uma história acerca de narrativa imposta vs realidade.
Apesar da sua nem hora e meia de duração, Táxi de Jafar Panahi é recheado de discretas delícias que, disfarçadas de candura, revelam uma realidade dura para quem deseja liberdade de expressão, para quem deseja ser livre. Estes contos nunca perdem a actualidade, a universalidade e a relevância. E, sim, este é um dos grandes filmes do ano.
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