Estreado em 2000, In the Mood
for Love de Wong Kar Wai foi a
película do século XXI mais bem posicionada (25.º lugar) na lista dos melhores
filmes da história, escolhidos pela renomada revista inglesa Sight & Sound que, recente e muito
mediaticamente, elegeu Vertigo de Hitchcock como o primeiro. Será ironia ou coincidência que Kar Wai tenha sido influenciado pelo
filme do mítico realizador inglês quando fez este seu elogio ao amor, ou que o
principal personagem masculino é inspirado no de James Stewart em Vertigo?
Existem histórias que sobrevivem no inconsciente anos após as termos
lido, visto ou ouvido. Algumas parecem perdurar no enevoado véu da memória,
pouco nos lembramos delas para além da sensação que nos proporcionaram. Existem
aquelas que são um misto de lembrança e esquecimento, um emaranhado sensorial de
imagens caleidoscópicas que emergem e submergem da memória. E
depois existe In the Mood for Love.
O enredo desenrola-se como um boato, como pequenos mistérios, como
pontos de vista contraditórios, imagens mal apreendidas, um esboço desenhado a
lápis gasto. Sabemos existirem um homem e uma mulher que se mudam para quartos
contíguos de um edifício de Hong Kong na década de 60. Sabemos que esse homem e
essa mulher são casados e que os respectivos esposos passam muito tempo fora de
casa. Sabemos que os protagonistas são vítimas de traição por parte dos
companheiros. Sabemos que se aproximam, na busca de conforto e vingança partilhada.
E, no meio de tanta informação concreta, não sabemos se se apaixonam um pelo
outro e se têm, eles próprios, um caso, não apenas platónico mas também carnal.
Numa das muitas edições DVD que existem do filme, Wong Kar Wai explica parte do processo criativo que o levou a este In the Mood for Love. Como afirmou Tarantino, a versão final do argumento nos
seus filmes é escrita na sala de montagem. Kar
Wai leva esse preceito ao mais extremo dos limites (muito à semelhança de
outro grande auteur, o texano Terrence Mallick), ao construir, através
dos retalhos dos vários takes
filmados, uma narrativa muito diferente daquela que nasceria se tivesse
acrescentado apenas mais aquela cena, apenas mais aquele diálogo. Ao deixar de
fora o que escolhe deixar, ao reescrever a realidade apenas com as imagens que
lhe interessam, Kar Wai constrói um
“monstro” muito diferente. Uma poesia ambígua. Um retrato impressionista. Uma
história não acabada mas extraordinariamente completa.
São muitos os silêncios e as imagens ambíguas em In the Mood for Love, a informação dada a conta-gotas ou através da
perspectiva ofuscada de uma lente embaciada e partida. Os protagonistas são
observados pelo canto do olho enquanto os vimos, em câmara lenta, a trocar
rápidos olhares e fugazes gestos na roulotte
de massas onde vão todas as noites buscar jantar para comer, a sós, no quarto
alugado. Espreitamos pelo buraco da fechadura, enquanto se entreajudam na
escrita de romances Wu Chu num quarto
alugado de um Hotel, longe das respectivas residências. Tudo é segredo. O
insubstancial é mais sólido que a verdade. Mesmo na belíssima sequência final,
passada numa visita a um templo budista, as pedras sabem mais do que nós, os
espectadores.
A beleza da nostalgia é lugar-comum. Maggie Cheung e Tony Leung,
os actores, deslizam como os protagonistas dos trágicos filmes românticos da
década de 50 americana. Para este enlevo contribui também uma extraordinária
banda sonora, com Bryan Ferry (cuja versão
de “I'm in the Mood for Love”
inspirou o nome inglês desta película), Nat
King Cole (com "Aquellos Ojos
Verdes", "Te Quiero Dijiste",
"Quizás, Quizás, Quizás") e
o belíssimo leitmotif do filme, “Yumeji's Theme” de Shigeru Umebayashii.
Não existe uma nota em dissonância em nenhum dos frames, em nenhuma dança em câmara lenta, em nenhuma da fotografia
eloquentemente composta. Cinema puro e simplesmente perfeito.
Sem comentários:
Enviar um comentário