Um professor liceal de literatura francesa, frustrado com o
encaminhamento da sua vida típica de classe média, entusiasma-se pelo talento
de um jovem aluno, à medida que este escreve sobre os desejos, invejas e
desencantos que sente quando se imiscui na vida de uma família de um colega de
turma. Esta é a base deste novo filme de François
Ozon, o profícuo realizador francês.
Ozon não só ama o cinema, como o processo de contar histórias e também a
literatura, e este filme acaba por ser um exímio diálogo entre estas formas de
arte, uma longa discussão entre elas, um duelo de forças dirigido pelas mãos do
realizador. O carácter meta-textual da história, o comentário desta sobre ela
mesma, sobre os seus mecanismos e subterfúgios, é óbvio ao longo de todo o
filme, mas nunca em detrimento do fluir da ação (como é aliás diversas vezes
referido pelos personagens). Há uma força maior que o Real, um afastamento em
relação a este e uma aproximação à Arte, de uma forma geral, e ao contar de histórias,
de uma forma mais específica. Mas, como um dos personagens ele próprio comenta,
de que interessa a Arte, ela não nos dá nenhuma lição para a vida real, não nos
ensina nada. Portanto, para que serve este exercício todo?
Existe também um confronto entre uma versão americana de fazer cinema e
uma francesa. Este confronto entre as
duas culturas (que, não tenhamos duvidas, têm as suas diferenças) é sublinhado
mais ainda pelo cerne da história. O rapaz, o escritor, provindo de uma zona
desfavorecida, movido pela inveja (pensamos nós), entra na vida de uma família
classe média e suburbana, família que vive num idílio em todo similar ao tantas
vezes retratado em filmes norte-americanos: a opulenta vivenda, rodeada de um
suave tapete verde e cerceada por uma cerca branca; os jogos de basquetebol de
sábado entre pai e filho, que vivem numa simbiose filial invejada pelo intruso.
Que mundos tão dispares para conviverem. Será que no fim poder-se-ão conciliar?
No meio deste jogo existe o outro protagonista, o professor que
encoraja o aluno a continuar a contar a sua história, convencido de que está a
moldar um futuro Flaubert, um dos
seus ídolos literários (mas ao mesmo tempo parece que este professor somos nós,
espectadores, agarrados ao assento enquanto esperamos pelo clímax da história).
Cria-se um profundo jogo de gato e rato,
em que depressa deixamos de perceber quem manipula quem, quem observa quem,
quem está a contar a história de quem, num emaranhado cativante. Contudo, esse
emaranhado dá lugar a um novelo por vezes complicado e o realizador tem algumas
dificuldades em conseguir resolver todo o potencial criado por si mesmo.
Um interessante exercício de estilo, de forma narrativa. Um excelente
filme.
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