Dupa dealuri de Cristian Mungiu (Para lá das colinas)


Este filme começa com um encontro e acaba com a mais definitiva das separações.

Duas mulheres, que se conhecem de uma infância passada num orfanato, reencontram-se numa estação de comboio, quando uma delas regressa da Alemanha (a história passa-se na Romênia). A primeira vem para convencer a segunda a acompanhá-la para uma outra vida, fora das fronteiras do seu país. Percebe-se que foram (são?) amantes, mas o que a primeira não sabe é que segunda traiu-a... com deus. Vive agora numa comunidade pária, semi-isolada, numa existência regrada e regulamentada pelos preceitos da igreja. O resto do filme é a luta, a agonia, de uma mulher que tenta libertar a amada de uma vida que ela está convencida ser inferior ao que o destino lhe reservou, ou deveria ter reservado.

Este não é, de todo, um filme de fácil digestão. Estamos perpetuamente a ser bombardeados com o esforço de uma mulher que tenta convencer uma segunda, por quem tem um imensa estima, a esquecer aquela mera sobrevivência perdida no isolamento, na pobreza e na miséria da ignorância. Ela descreve uma outra vida, (para ela) melhor que aquela, tenta desenhar uma imagem que destrua esta outra alicerçada em conceitos milenares de sofrimento e de submissão a uma situação inferior materialmente e mesmo espiritualmente. Uma vida baseada no errado, tão errado que a única forma de convencer a amiga acaba por ser com um sacrifício final estúpido e desnecessário. Ou será que foi assim tão estúpido e desnecessário? Será que não era o único sacrifício possível? O único que possibilita a fuga de uma realidade que (aos nossos olhos) é desesperante?

Isto é anti-cinema Blockbuster, realizado segundo os preceitos da escola realista, não só pela via da história mas também da estética, crua, dura e suja, tal como o ambiente assim o obriga. Não é um estilo de realismo demagógico, tão fácil na negritude quanto o filme pipoca o é na leveza. Também não se trata de um documentário, porque é filmado e editado como uma história, contada através da linguagem da película em movimento. Há controlo da narrativa e da linguagem da 7.ª arte, como muitos poucos realizadores o têm e é, acima de tudo, uma lição na força de como se fazer cinema. Contudo, e apesar de todas estas virtudes, houve qualquer coisa que não me convenceu. Certamente não foi a história nem a realização. Provavelmente fui apenas eu, que não estava naqueles dias de apreciar um filme destes. Quem sabe daqui a uns meses ou anos volte a olhá-lo e ele seja aquilo que me prometia ser. Por agora, é apenas um muito bom filme. 

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