Partícula de Higgs IV

A arte de classificar Arte ou... a necessidade de falar de uma telenovela!

Tem piada! Muitos gostam de limitar-se ou limitar o que deve ser ou não considerado Arte. Uns porque acham que algo é, para usar o vernáculo, “uma merda”, a dita classificada pela visão que o sujeito tem de algo que considera incompreensível ou incapaz de ser considerado como Arte. Outros ainda, imersos que estão no mundo das Artes, ávidos consumidores e apreciadores, julgam-se munidos dos mais elevados instrumentos para pronta a celeradamente ajuizar “isto é Arte”, “aquilo não é Arte”. Ui... o que tanto uns como outros adoram classificar ou escalpelizar ou perder-se em verdadeiras declamações. Como adoram! (Eu próprio já aqui tantas vezes o fiz e, juro, estou numa clínica de desintoxicação do qual este artigo é o 3º passo de recuperação).

Arte, eu cá acho que acho, pode ser entendida como uma verdadeira expressão da liberdade de expressão, da democracia (isto e a Internet, mas isso é conversa para outras conversas.

Tanta palavra para chegar ao que me interessa aqui focar: a telenovela da Globo “Renascer”. As memórias falham, os critérios são diferentes nos anos e mais anos que passam nas nossas vidas mas, ainda assim, acho que acho que a adorei.

A história passa-se no Nordeste brasileiro e conta o conto de um homem de nome José Inocêncio que, quando novo, decide plantar a sua alma no pé de um jequitibá e criar o seu reino. Após ser depelado por jagunços e cosido vivo por um turco que na realidade é arménio ascende a “Coronelzinho” daquelas paragens, já que a vista se perde na imensidão da sua plantação de café. Ali conhece a inocência de um amor verdadeiro, ali tem quatro filhos e ali perde o amor da sua vida no parto do último.

Os anos passam-se e o filho menosprezado, aquele que lhe roubou o sol e alento da sua vida, é o único que ficou na plantação, enquanto os outros quatro formam-se na sagrada tríade das licenciaturas: Medicina; Arquitectura; Engenharia.

José Inocêncio amiúde vagueia à noite envolto por uma espessa manta, qual fantasma, visitado por outro fantasma, o de sua esposa. E neste cenário surge uma jovem mulher... que será amada por Pai e por filho.

Isto é apenas um pequeno pedaço desta manta enormemente bem tecida que é a Novela “Renascer”. Existem mais. Por exemplo, o facto de José Inocêncio, por via de ter plantado a sua alma no pé da jequitibá, ter “o corpo fechado e não morrer nem de morte matada, nem de morte morrida”. Ou o estranho caso do homem que era o miolo do boi. Numa terra de calor equatorial e céu tão luminoso que parece que se cerrarmos bem os olhos num dia especialmente límpido se pode avistar o outro lado do mundo, aqui se vivem dramas terrenos numa dimensão mais que humana, mística, operática.

Não se iludam porque também aqui se vivem aqueles enredos típicos de telenovela mas a sensação é que se acabou de se presenciar algo produzido com especial cuidado e destreza (eu sei, eu sei... acabei de cair na armadilha de que vos falei no início, mas poupem-me, estou apenas no terceiro passo).

Que telenovela perderia um episódio inteiro a reproduzir um funeral típico da região, quase sem diálogos e enredo?

(fiquem com os 10 primeiros minutos do primeiro episódio).

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