Breves Coisas 17 - Brief Things 17

AS PALAVRAS


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

WORDS


They are like a crystal,
words.
Some a dagger,
some a blaze.
Others,
merely dew.

Secret they come, full of memory.
Insecurely they sail:
cockleboats or kisses,
the waters trembling.

Abandoned, innocent,
weightless.
They are woven of light.
They are the night.
And even pallid
they recall green paradise.

Who hears them? Who
gathers them, thus,
cruel, shapeless,
in their pure shells?


Eugénio de Andrade, Poeta português, Portuguese poet

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Sam:

Agora, sem a urgência do amor e sem a urgência do tempo dos vivos, posso, enfim, deambular por rios de escrita alheia.
De passagem, entro várias vezes neste canto de escrita. Aprendo as novas correntes de música; apreendo novas grafias; perco-me, antes de perceber a devoção à BD. Acabo a sorrir, porque gosto dos interesses poéticos. Gostei de reler o Fernando, o Alberto, o Antero. Recentemente, e parece-me que é obra espalhada neste mundo do “posso escrever que ninguém me está a ver”, tenho-me deparado com a tendência bilingue...sim, eu sei, é a globalização, assim uma espécie de “proletários de todo o mundo uni-vos”, na versão “escribas de todo o mundo uni-vos”. Admito que nunca fui versado em línguas estrangeiras, sim, claro o francês e muito o castelhano e ao longe o inglês. Não me surpreende o Fernando em inglês…mas as minhas palavras interditas, o meu obscuro domínio, as minhas palavras tão solares, tão cheias de luz, os meus amantes tementes e trementes, não! Se eu aí estivesse, não teria permitido! Como é que foi capaz? Não percebeu que as palavras são o ofício do poeta?
Tenho por aí uma amiga que gosta muito da expressão “lost in translation”, (creio que é um nome de um filme, já fora do meu tempo), porque costuma dizer que é no verter da semântica que as palavras perdem seiva. Atente no verso dos Amantes Sem Dinheiro “e deslumbrado penetrava nos espaços.”// “and, dazzled, vanished into space.” Dói-me esta elegia e destruição dos meus Amantes sem Dinheiro. A minha poesia em português, por favor! Admito que em português chegarei a menos amantes…no entanto, como já não existem amantes sem dinheiro, pois que aprendam português! O meu caro não aprendeu inglês?
Daqui e em jeito de despedida, receba um abraço amigo do E.A.

Agora moro mais perto do sol, os amigos
não sabem o caminho: é bom
ser assim de ninguém
nos ramos altos, irmão

do canto isento de alguma ave
de passagem, reflexo de um reflexo,
contemporâneo
de qualquer olhar desprevenido,

somente este ir e vir com as marés,
ardor feito de esquecimento,
poeira doce à flor da espuma,
apenas isso.

(in Branco no Branco, ed. Limiar)

SAM disse...
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