Viva Davidoff
Existem pedaços do mundo que me parecem mais civilizados que outros. Pedaços que devem ser lentamente apreciados, no elevar do fumo pelo ar carregado, no aquecer da boca pela cinza, enquanto o gelado frio do vento nocturno se embrenha pelas frestas da roupa.
Acende-se, com ritual, o charuto longo, longo, longo como a morte. A princípio o fumo cresce tímido, triste, nada mais que borrifos de ar negro ainda a apalpar a juventude (para ele) do mundo. Nada invade os canais de vida do meu corpo. Apenas o sabor a cinza da Planta do Outro Lado do Oceano, apenas o fechar de olhos enquanto o sabor incorpora-se na boca, imperador e déspota dos sentidos. Não há espaço para a Democracia enquanto prostra-te no altar dos sacrifícios mundanos e escusados e te golpeia, punhal cinza em riste. Nada mais és que um sorriso e uma entrega do corpo à gravidade do sono sem dormir.
Os anos (minutos) passam lentamente, o corpo do fumo ganhando robustez, idade, experiência. Já não é rápido no clímax. Demora. Argumenta com o ar diálogos recheados de curvas, de recuos. Mas sempre com olhos postos na leveza. Nada mais és que um espectador enquanto a tua boca se enche da cinza dos séculos (minutos), que passam, um após o outro.
Na velhice é lento, encorpado, pesado. Os derradeiros momentos são um elogio à passagem dos tempos, enquanto o sabor a cinza eterniza-se. O charuto é agora um velho amigo, um experiente ancião que quer prolongar a visita com a candura das histórias que anseiam por contar. Mas depressa nos abandona no esmorecer da luz.
Há prazeres neste mundo que devem ser mais demorados e duradouros que outros.
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