Diana 2020, ou o ano em que a Mulher-Maravilha tem a atenção da DC?


Não é segredo para quem lê este Blogue que a Diana, Princesa de Themyscira, a Mulher-Maravilha, é a minha personagem favorita da BD. Mas a minha devoção à personagem nem sempre é recompensada pela editora que a publica, a DC Comics. Aliás, se tenho de ser totalmente honesto, a maioria das histórias ficam aquém daquele que eu acho ser o seu potencial. Acredito que este não tem sido, por uma maioria confortável dos que nela trabalharam,  bem aproveitado (culpa do talento ou da editora?). 

Diana é uma mistura explosiva entre os valores clássicos dos super-heróis e a erudição literária. O seu código genético mistura feminismo avant la lettre, antes desse termo adquirir o peso que possui hoje em dia,  com a infraestrutura grega clássica, o alicerce da cultura ocidental, em valores e disciplinas como a Democracia, a Filosofia, a História. E, claro, é uma guerreira poderosa (a mais eficaz do universo DC), bela, e ligada à mitologia grega. Como é possível não saber o que fazer com tantas coisas boas?

(daqui em frente há spoilers leves )

Neste ano de 2020, o mesmo do lançamento do seu segundo filme, a DC parece empenhada em, pelo menos, explorar este potencial. Começou com o lançamento do histórico número 750 da revista homónima, e continua até a mini-série/evento do ano da editora, Death Metal, de Scott Snyder e Greg Cappulo, em que a Diana assume o protagonismo. Isto sem esquecer que, graças a um conjunto de eventos ainda não totalmente explicados, a Mulher-Maravilha, na nova linha temporal do universo DC, é agora o primeiro super-herói.

Tudo começou no mês passado, na celebração do 750.º número da revista Wonder Woman. A DC publica um fascículo gordo em histórias, no qual vários autores celebram este aniversário. Uma delas, da autoria de Scott Snyder e Brian Hitch, é particularmente importante. Passada no início da 2.ª Guerra Mundial, misteriosamente e sem explicação, relata a primeira aparição de Diana no mundo. Como é típico nestas coisas da DC, ocorre mais uma modificação na linha temporal, mas desta vez não sabemos o porquê. Esta revelação é um paradoxo, uma contradição com a actual versão de Diana, que terá começado a sua actividade há menos de uma década. A promessa que havia sido feita em 2019 é cumprida. A Mulher-Maravilha, à semelhança do que ocorre no Cinema, inaugura a nova Era de Heróis da editora.

Num número tão gordo, o que dizer das restantes histórias? Estas ajudam a reflectir sobre um dos aspectos que, ao longo dos anos, acho mais criticável nas histórias da personagem: o excesso de deferência e idolatria. A Diana tem sido, junto com o Super-Homem, um dos super-heróis que mais sofre de uma forma de síndrome parental. Muitos autores insistem em caracterizá-los como figuras paternais perfeitas, representações caricaturais e infantis da forma como, em criança, víamos os nossos pais. A Mulher-Maravilha, em particular, é insistentemente vista como inspiradora, infalível, mais um arquétipo de perfeição e menos como uma personagem com personalidade, perdoem o pleonasmo. Obviamente que este lado inspirador é relevante e um dos aspectos basilares de Diana, mas não em detrimento de tudo o resto. Não necessitamos da enésima variação de um sábio conselho dado pela personagem, uma acção exemplar inspiradora, para construirmos a personalidade de Diana. Um dos lados da personalidade que mais aprecio é a sua bondade intrínseca, sem dúvida, um contraste com a figura negra e deprimida do Batman. Mas um bom escritor equilibra essa natureza com as duvidas e falhas normais a qualquer ser humano.  Greg Rucka, um escritor recente, conseguiu exactamente isso, mas o mesmo não se pode dizer de outros. E muitas das histórias deste número 750 sofrem desse mal. Parece que os autores ou a DC têm medo de estalar o verniz da MM. Uma das melhores histórias deste número 750 envolve uma queixa da mãe de Diana em relação à ausência constante da filha, o que ilustra exactamente este meu ponto. Por outro lado, os primeiros números do novo escritor, Steve Orlando, prometem, mas só o futuro dirá se consegue enaltecer o historial como outros autores, deixando cair a máscara de perfeição.

O que nos leva a Death Metal, a continuação da rentável mini-série Dark Nights Metal de há dois anos (leiam aqui o que escrevi à altura sobre ela). Sabemos que vilão de Metal, o Batman Who Laughs, conseguiu vencer os heróis e, agora, o universo é seu e de Perpetua, a criadora do multiverso DC - de acordo com a mitologia agora vigente. O Batman vive isolado num castelo vivo e enverga um anel de poder negro. O Super-Homem é prisioneiro de uma máquina que fornece energia ao Sol. Resta a Mulher-Maravilha, a quem uma personagem misteriosa oferece os meios para derrotar Perpetua e o Batman Who Laughs.  Será este um momento de celebração merecida da personagem? Veremos. A minha expectativa existe, independentemente de anos de experiência. E, já agora, um outro apelo à DC. Façam deste re-iniciar ou re-pensar da vossa mitologia o último de um valente conjunto de anos. Porque reescrever a História do vosso universo ficcional a cada dois anos já começa a ser demais. 

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