Hereditary de Ari Aster

Foi com muito desagrado que descobri que deixei escapar a oportunidade de ver este filme nas salas de cinema. Caso contrário, certamente estaria na minha lista dos melhores que vi em 2018.  A primeira longa-metragem de Ari Aster é uma obra complexa e misteriosa, arrepiante até ao tutano, oscilando entre o desconcertante drama familiar e o filme de terror ao bom estilo de Rosemary's Baby de Roman Polanski. Um filme imperdoável perder (eu estou dificuldades em fazê-lo em relação a mim).


O filme de terror, já aqui o disse, é, no que à realização de cinema diz respeito, uma tela que abre espaço à experimentação e à revelação do que de melhor um olhar é capaz de fazer. Brinca com os sentimentos mais básicos e primais do que nos faz humanos, e entrega-nos à mercê dos monstros que a civilização e a tecnologia possibilitou-nos afastar. Um bom filme de terror, desde aquele que se foca em períodos históricos até ao que nos transporta para o espaço, permite isso. Realizadores do gabarito de Kubrick, do acima mencionado Polanski, de Spielberg, de Scott, de Cameron, de Jarmush, todos já arrepiaram inspiração pelos caminhos deste género, sempre com resultados no mínimo impressionantes e no máximo históricos. Ari Aster segue, inclusive, o caminho trilhado por alguns destes e, no que à minha impressão diz respeito, oiço ecos dos dois primeiros desta lista. Existe não só a claustrofobia da lenta queda de uma família na espiral da demência, da casa que atormenta tanto quanto as acções dos protagonistas (Shining), como também presenciamos a repentina incursão do demoníaco na rotina do banal (Rosemary's Baby). Este jogo entre a observação clínica e a emoção do horror é administrada de forma doseada e impactante. Os planos são limpos, por vezes distantes, por vezes colados aos olhos, sempre a jogar pela escolha do que mais força transmite o objectivo daquele momento.

Um dos elementos chave é o impressionante trabalho da sempre segura Toni Collete, uma das menos galardoadas e reconhecidas actrizes desta geração. Sempre longe dos holofotes, vai construindo personagens ora seguras, ora no limite da sanidade mental, num jogo de emoções caleidoscópico.  Neste Hereditário, ela interpreta o papel da matriarca de uma família de quatro (mãe, pai, filho, filha) que tenta administrar a mente no limite do colapso, depois de dois eventos catastróficos. Nos primeiros 80 minutos vemos a progressão para o abismo da loucura familiar de tendência puramente psiquiátrica. Nos últimos 45 caímos ainda mais fundo e penetramos, nas mãos hábeis dos vários artistas envolvidos, no terror satânico.

Um dos filmes de 2018 que não tive o prazer de ver em sala de cinema. Imperdoável.

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