Agora que o novo filme da personagem criada por Mike Mignola está mesmo a chegar (11 de Abril), esta é uma altura mais que apropriada para ler ou reler a epopeia completa de Hellboy, que a editora Dark Horse re-editou nestes maravilhosos Omnibuses - mais dois com as short stories completas e que, a seu tempo, leremos. Tinha lido alguns dos primeiros volumes, mas ainda não tinha mergulhado na leitura completa da saga. De fio a pavio. Do princípio ao fim. Só assim, como num romance de Tolstoy ou numa peça de teatro de Ésquilo, poderemos concluir da virtude, ou falta dela, da intenção artística do autor - esta frase, depois de lida uma segunda vez, é mesmo pedante, minhanossasenhora. Mas avante... traduzindo para miúdos: gostei ou não de ler o Hellboy?
Esta BD é considerada um clássico e merecidamente. A início, já se notam algumas das características góticas, surrealistas e oníricas que seriam parte do atractivo de Hellboy. Contudo, assume-se ainda como literatura com forte pendor super-heroístico, mas mais negro e sobrenatural. A partir do segundo omnibus, principalmente com de The Island, Mignola inverte para uma narrativa de cadência e geografia similares às do sonho, imprimindo um ritmo que não largaria mais e que elevaria esta BD a um patamar diferente. Hellboy, às páginas tantas, encontra a voz na fronteira curiosa entre o real e o surreal. Vive, sem desculpas, num ambiente de estranheza que, contudo, não demora nada a entranhar-se.
Para tal também contribui a brilhante personalidade do protagonista. Esta BD aparenta seguir por velhos caminhos do "escolhido que trará o apocalipse". Contudo, a resoluta índole de Hellboy obriga a narrativa a inverter para outros caminhos. Ele não dobrará o joelho ao destino e aos planos de outrem, nem que esse outrem seja a sua própria natureza. Nesse aspecto, acaba por ser um anti-herói grego, por não sucumbir à tragédia que foi o seu nascimento e ao caminho aparentemente inexorável e traçado a ferro e fogo. Hellboy é um herói pós-moderno, de roupagens clássicas, mas que assume-se como um porta-estandarte deste novo mundo. Não sucumbirá a quaisquer limitações, sejam elas de natureza, de nascimento, nem aquelas escritas, ditadas e impostas pelo mais elevado Deus ou pelo mais profundo dos demónios.
Que dizer da arte? Mike Mignola é um mestre incontornável, senhor absoluto do chiaroscuro, do ambiente soturno, do mise en scéne. Transmite mais com personagens e situações enquadradas no profundo preto e branco que outros artistas perdidos em excesso de pormenores. Duncan Fegredo, no final do segundo omni e, depois, na totalidade do terceiro (o quatro é todo ele feito por Mignola), é um justo e mais do que capaz sucessor. O seu traço é mais pormenorizado, mas não menos atmosférico, quando a isso a narrativa o obriga.
Depois de acabar estes quatro omnibuses (após anos de andar a adiar), finalmente cheguei à tardia conclusão que esta é uma das melhores BDs alguma vez feitas e, sem dúvida, uma das da minha vida. O meu amigo Vasco bem me tinha avisado.
Sem comentários:
Enviar um comentário