Existe preconceito em relação ao Mangá, a Banda Desenhada japonesa. Advém, por exemplo, dos desenhos animados (Anime, na verdade) que víamos quando éramos crianças. "São aqueles dos bonecos que são todos iguais, os dos olhos grandes, não é?!" é uma pergunta repetida mais vezes do que seria desejável. Quem lê este tipo de BD sabe que, ao longo de mais de meio século de existência, criaram-se livros extraordinários. Um deles é este que aqui vos venho falar: Monster de Naoki Urasawa, publicado em nove volumes de capa mole, edição de luxo, pela editora dos EUA Viz.
Naoki Urasawa é o tipo de autor que namora os dois lados da Arte. Faz obras que acabam por ter sucesso comercial, mas sem esquecer o lado mais autoral e de "qualidade" - essa característica tão difícil de definir. Por outro lado, o desenho e a sua forma de "partir a história" apelam a um público mais vasto, já que consegue trazer sensibilidades do mundo ocidental para a narrativa. Não deixa de ser Mangá, mas os "puristas" acham que afasta-se demasiado do molde japonês puro e duro. Talvez por isso, o seu apelo tem crescido para os lados da Europa e das Américas, mas nada disso diminui a singularidade cultural e geográfica de Urasawa. Ele é um autor japonês e isso nota-se.
Monster tem uma premissa singular e que atrai à primeira leitura. Um cirurgião japonês a trabalhar na Alemanha salva a vida de uma criança que havia sido baleada. Nesse dito hospital, privado, teve de optar entre salvar a vida de um influente político e a do jovem, opção essa que lhe custará a reputação e o emprego. Tenma, o nome do nosso protagonista, é um excepcional cirurgião, dotado de um barómetro moral aguçado. Um herói clássico, defensor dos oprimidos e do caminho que vê como o do Bem. Acontece que a criança que salva crescerá para transformar-se num dos mais perigosos homens do mundo, um psicopata visto por alguns como a segunda vinda de Hitler. Ao longo dos nove volumes que completam a história, o enredo cresce em complexidade, a início apenas a tentativa de Tenma em corrigir o seu erro, mas que depressa envolve sociedades secretas, experiências governamentais e uma análise do que é o Mal e do cortejo que a Humanidade lhe faz.
Urasawa é um dos raros artistas que a usa a BD em quase todas as suas potencialidades e singularidades. Fruto da escola japonesa de fazer BD e da sua própria visão, tem a capacidade de deixar a história respirar quadradinho a quadradinho. De forma simples, o autor deixa que cada quadrado tenha apenas a informação necessária para veicular uma única emoção e umas parcas palavras. Como se estivéssemos a ver vários frames de um filme. Raramente somos bombardeados com excesso de informação. Apenas a essencial para que aquele sorriso, aquele franzir do sobrolho, condiga com as palavras que a personagem diz ou com o pensamento silencioso que teve naquele momento. Existe um tempo de contemplação para que o leitor possa pensar sobre o que ocorre, não tanto através do ler, mas antes do observar. Nada é desperdiçado no traço de Urasawa. É adepto do "show, don't tell". Existe um esforço mais engajado por parte do leitor, é certo, mas acaba por ser recompensador.
Urasawa e este seu Monster são BD ao mais alto nível. Nesta obra, que pode ser apreciada por qualquer leitor e por qualquer pessoa, encontrarão um exemplo da qualidade do autor, da Mangá, da BD e de Literatura. Imperdível e indispensável.
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