O título português do primeiro filme de Xavier Legrand é enganador. Ainda que a questão da custódia partilhada seja um dos temos desta obra, está longe de ser o único e nem sequer o mais importante.Verdade que o trailer, que reproduz alguns dos primeiros minutos de Jusqu'à La Garde, reflecte essa questão cada vez mais na ordem do dia, mas este filme é mais complexo e desafiante. Se esta primeira tentativa numa longa-metragem é assim, só podemos estar desejosos dos próximos esforços deste realizador.
A primeira cena poderia ser a última de um drama romântico que acabou com a separação de mulher e marido. Estamos no gabinete de uma juíza e acompanha-mo-la até à sala de audiências, onde seremos, tal como ela, confrontados com uma decisão a tomar: quem dos dois cônjuges mente. O que Legrand faz é manter a distância, afastando-se de revelações pessoais, de pensamentos mais profundos, de gestos e emoções reveladores. Pelo menos nos primeiros minutos do filme. Somos deixados na dúvida de quem é a culpa. Se as acusações perpetradas por mãe e filho são verdadeiras e não movidas por um sentido de vingança mesquinha e petulância juvenil (as declarações do filho são feitas através de uma declaração lida pela juíza).
O filme é construído em volta deste sentimento de ambiguidade até determinado ponto, a partir do qual, para nós, espectadores, a realidade vem ao de cima e Jusqu'à La Garde assume a face de terror psicológico, primeiro, e depois físico (a revista Sight & Sound faz comparações não descabidas com The Shining). Quem vê esta excelente obra, sente-se na pele de quem, em primeiro lugar, observa sem conhecer toda a verdade (a juíza e as advogadas) e, logo a seguir, de quem vive o drama que é o foco central de Jusqu'à La Garde - reparem que afasta-mo-nos de comentar a conclusão narrativa do filme, de modo a não estragar não tanto a surpresa mas o sentimento de ver o desenrolar da acção, e cada um de vós concluir acerca da natureza dos acontecimentos.
O cinema deverá ser isto. A proeza da simplicidade da câmara apontada. A naturalidade de cenários mundanos. A escolha dos momentos a filmar. Com cinema assim, tudo ainda está vivo e não apenas rendido à pirotecnia dos efeitos especiais (por mais que goste deles, comer demais de algo bom farta).
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