Agnès Varda já deveria dispensar apresentações. Realizadora e documentalista francesa de 88 anos, exerce há mais de 60, e é contemporânea (e amiga) de nomes tão importantes para a arte de fazer cinema como o são Jean-Luc Godard. O seu olhar vem de uma escola que não se ensina, e mesmo agora que a visão começa a falhar (a física) o seu ponto de vista é mais válido, único e acutilante que 99% dos realizadores em exercício, (todos) mais novos que ela. E o extraordinário Olhares, Lugares é prova disso. Contudo, não pensem que esta senhora deixa-se afundar pelo peso dos anos e pela sobranceria da experiência. Antes pelo contrário. Agnès faz-se acompanhar de JR, jovem fotógrafo e artista plástico, pelas aldeias, paredes e rostos de uma França pouco visitada.
Este filme-documentário acompanha a viagem dos dois artistas, enquanto exploram as vidas de uma multitude de pessoas e experiências na França rural. Um filme humano, sobre pessoas primeiro - sempre pessoas primeiro. Profundamente social e com engajamento como muitos poucos, escolhe a calma e pacífica observação do relato das vidas dos muitos rostos que encontram no percurso. Uma carrinha com uma enorme câmara e impressora percorre as veias do campo francês, encontra comunidades, fotografa-as e expõe as gigantescas impressões a preto e branco em prédios, armazéns, habitações, praias, como testemunho, claro, mas, acima de tudo, como força. A força das vidas que devem ser expostas e sublinhadas antes de qualquer outra coisa.
Um dos momentos mais fortes ocorre logo no início, quando uma senhora resiste a viver numa rua em que ela é a única habitante. Como contrapeso, quase no final, a impressão colada a uma estrutura abandonada numa praia expõe a brevidade a que estamos sujeitos aos olhos da força do mar. A própria Agnès chora em frente à câmara, expondo a sua humanidade, quando visita um amigo de longa data.
Gosto de pensar no artista como o anti-estatístico, o anti-gestor. A ele as médias não interessam. Na força e dilúvio dos números perdem-se os olhares e os rostos únicos que todos queremos ser. Todos. Sem excepção. Este essencial e obrigatório Olhares, Lugares é um testemunho de todos esses rostos. Que existem e devem ser (sempre) mais perenes que as habitações e os museus. O homem é a única obra de arte da Humanidade que interessa. E este filme relembra-nos isso.
Basicamente e sem esforço um dos melhores filmes de 2018.
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