Uma BD aqui, outra BD ali, 4

Há quem diga que os floppies americanos estão a morrer (panfletos, como lhes chama um amigo; comics, como todos os conhecem). Eu cá espero que não porque adoro agarrá-los e devorá-los! É prazer que rezo para nunca acabar. Assim sendo, de vez em quando, vou escrever umas breves palavras sobre alguns que gostei de ler. Só isso. Gostado! Não são melhores nem piores que outras coisas.

Batman (2016) números 36 e 37 de Tom King a Clay Mann (DC Comics)

É desta matéria que as boas histórias são feitas. É por causa de números como estes que as personagens da DC são-me tão queridas. Já muitos sabem que Tom King está a construir uma das mais interessantes sequências de histórias com o Homem-Morcego. O ex-agente da CIA tem-se revelado, no relativo pouco tempo em que escreve BD, como um dos escritores de maior imaginação e inteligência a trabalhar na 9.ª Arte. A perspectiva fresca com que escreve este maior ícone da DC tem revelado pormenores do Cavaleiro das Trevas que persistentemente escaparam a outros. I Am Suicide, The War of Jokes and Riddles, Batman Annual #2, Batman/Elmer Fudd, foram alguns dos momentos mais altos. Aos quais agora se juntam estes dois números.

Batman e Super-Homem há décadas que dançam pelos interstícios de uma relação de amizade e conflito. A início eram amigos, mas desde 1986 que Frank Miller e depois John Byrne decidiram que seria mais empolgante se fossem lados opostos de uma mesma questão filosófica. Esse conflito definiu a  relação mas também a personalidade de ambos. Eis que, no presente, o Homem de Aço está há muito casado com o amor da sua vida, Lois Lane, e o Batman pediu em casamento a anti-vilã, uma vezes amante, outras inimiga, Catwoman. Esse pedido leva a que ambos os casais decidam sair num double date (número 37), antecedido de uma análise do respeito que as duas figuras maiores da mitologia de super-heróis nutrem uma pela outra (número 36). 

Tom King é um homem adulto e isso é espelhado na riqueza dos diálogos entre as personagens. É revelado, em todo o seu esplendor, a tridimensionalidade de quatro figuras que fazem parte da cultura pop há 80 anos. Isto não é para quem nasceu há menos de 20 anos (mas também o é). Isto não é para a geração Disney, assexuada e sem humor (calma que também gosto de algumas coisas da Disney). Isto é para personalidades maduras, hetero ou homossexuais, de pensamento complexo e indefinido, visto pelo prisma de quatro arquétipos, que também são, acima de tudo e o mais importante, pessoas que respiram ar de papel. É por isto que adoro o Super-Homem, o Batman, a Lois Lane, a Catwoman e a DC Comics. Perfeição.

Exit Stage Left: The Snagglepuss Chronicles número 1 de Mark Russel e Mike Feehan (DC Comics)


A DC Comics, através da empresa accionista, a Time Warner, tem acesso a um conjunto de propriedades intelectuais da cultura pop bastante conhecidas. Os Looney Toons e as personagens da Hanna Barbera, por exemplo. Os portugueses de uma determinada geração conhecem o Top Cat, o Yogi Bear, os Jetsons e os Flintstones. Fazem parte de uma infância colectiva de desenhos animados dos fins-de-semana de manhã. Recentemente, a editora de BD tem resgatado algumas destas personagens e as reinventado através de um prisma adulto. Perderam-se os desenhos cartoonescos e as temáticas são agora maduras e complexas. Nunca tinha lido nada até este Snagglepuss e a surpresa foi significativa. 

A história ocorre na década de 50 dos EUA, durante um período da História deste país com relevantes convulsões sociais. Estávamos em plena Guerra Fria e esta foi usada como justificação de algumas agendas mais tradicionalistas para procederem a uma caça às bruxas mais ideológica que política. Snagglepuss é  um conhecido artista de Teatro que tem de esconder a sua preferência sexual. Ele é gay, um actor conhecido, mas o clima social e político não são propícios à sua liberdade pessoal.

Mark Russel escreve um enredo complexo e cativante, com diálogos inteligentes e adultos. Apesar da forma - os protagonistas são personagens antropomorfizados -, a história flui sem problemas e de forma séria. Não existe nenhuma necessidade de suspensão da descrença apesar de estarmos a falar de um leão das montanhas cor-de-rosa. Apesar de ainda muito no início, pela amostra deste primeiro capítulo, podemos já aqui ter uma das melhores BDs de 2018.

Captain America número 697 de Mark Waid e Chris Samnee (Marvel)


O Capitão está de volta. The All-American, applepie version. E ainda bem. Desde há uns anos a esta parte que esta personagem apenas sobrevive no ranking das competitivas vendas do EUA quando passa por um evento catastrófico. Primeiro pelas mãos de Ed Brubaker, que o matou e ressuscitou. Depois por Rick Remender, que lhe deu um filho e envelheceu-o. E mais recentemente pela versão nazi escrita por Nick Spencer. Depois desta última controvérsia, a Marvel decidiu regressar às origens da personagem, adoptando a fórmula DC Rebirth: os seus heróis, o Capitão inclusive, regressariam às versões clássicas (e, já agora, as revistas às numerações iniciais - como podem comprovar pelo número 697). Para que isso ocorresse de forma suave, ninguém melhor para escrever que Mark Waid, que não só é conhecido pelo seu gosto e talento clássico como também por ter escrito uma das melhores sequências de histórias do passado da personagem. Regressa com o auxílio de um  seu colaborador recente, Chris Samnee, com quem trabalhou no Demolidor e Viúva Negra.

Já estamos com três números no total com esta equipa criativa e, no que a mim diz respeito, é com este capítulo que Waid e Samnee entram no groove. Deixamos de lado a Real America e entramos na vertente super-heroística, com o conflito com Kraven, O Caçador, vilão do Homem-Aranha. A premissa é perfeitamente banal e a surpresa inexistente mas é uma história bem executada. Waid deixa a capacidade de storytelling de Samnee respirar, abstendo-se de diálogos e deixando a acção falar por si. A leitura torna-se parcimoniosa mas entretida e sem pretensões. Um conto de super-heróis sem grandes metáforas. Apenas uma aventura à antiga. Ou seja, ainda que não ofereça nada de inovador também não procura ser a próxima grande modificação do status quo para fazer aumentar as vendas. Duvido que a Marvel resista por muito mais tempo. É que a editora está viciada em reboots e grandes mudanças. 

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