Quando estreia? Aquarius de Kleber Mendonça Filho



(No Cinema, como em todas as Artes, existem inúmeras obras realizadas. Algumas são lançadas no circuito comercial português, outras apenas em festivais. Muitas, nem em um, nem em outro. A maior parte talvez devesse ter ficado na imaginação dos autores. Outras mereciam um destino melhor. Esta é uma das do último caso)

O tema do filme Aquarius de Kleber Mendonça Filho não poderia ser mais actual quando temos em consideração a evolução de Portugal nos últimos anos. A pressão turística que surgiu de forma célere tem levado a uma revolução nos centros das cidades mais relevantes do nosso país, Lisboa e Porto, como é amplamente noticiado. Com todos os aspectos positivos relacionados com a reabilitação de imóveis que não viam obras há anos, acarreta também vários aspectos negativos, todos eles ligados aos residentes e às actividades que contribuíam para uma vida julgada inexistente nesses mesmos centros. Nos dias que correm, para facilitar a argumentação junto de grupos de pressão que pedem por Planeamento no Turismo, existe uma narrativa, perpetrada por interessados e desconhecedores, de que esses centros não tinham vida. Não só vida como vidas. Pessoas que fizeram do passar dos anos aquelas ruas, aqueles prédios, muito mais que a sua casa e habitação. Foram elas que contribuíram para a prosa colorida e floreada dos guias de Turismo que louvavam a vida patusca e verdadeira de bairros, ruas e colinas, de edifícios cheios de gritos e rachas. As cidades são pessoas e património entregues a uma sinfonia de caos. Não perceber isso é não perceber a passagem do tempo, esse unificador e democrata gestor do mundo.

Aquarius passa-se no Brasil e conta a história de uma residente de um prédio (o que dá nome ao filme) que, depois de décadas a viver naquele local, vê o descanso da sua terceira idade ameaçado por uma empresa que adquiriu todos os apartamentos e quer também comprar o seu, para dar lugar a blocos de apartamentos modernos. Recusa-se determinantemente, não por aquela casa ser o último recurso de uma vida sem nada (o argumento tem a convicção de tornar a protagonista uma mulher de posses, de modo a obviar a argumentações que não quer aqui abordar) mas porque gosta efectivamente daquele lugar, aquele que guarda todos os anos que acumulou de vida. Foi uma mulher de casamento feliz, biógrafa de músicos brasileiros, que acumula nas paredes da casa inúmeros discos de vinil, os quais gosta de retirar da prateleira e provar aos mais novos que a História fazia-se antes de nascerem. 

A riqueza da história provem de uma incrível simplicidade em explorar as temáticas a que se propõe. Fala-nos deste Tempo que passa e que, na nossa mortalidade e fugacidade, não reconhecemos como algo que é também o acumular de todos e tudo o que veio antes. E essa ironia vale não só para novos como também para velhos. Mas, para além do quase esoterismo desta abordagem (que, na minha opinião, de esoterismo nada tem), segue o caminho de uma  temática actual e pertinente que tem permeado as conversas e reflexões: o crescimento económico em prol de quem e à custa de quem. Nesse contexto, Aquarius foi uma escolha em Cannes por razões que não são inocentes - junto com outros filmes como o vencedor da Palma D'Ouro I, Daniel Blake. Um filme que procura reflectir sobre um mundo novo que desenvolve-se à velocidade da internet. Como dizia Pacheco Pereira, fazemos parte de sociedades "em que deixou de haver silêncio, tempo para pensar" e  filmes como este ajudam-nos a subverter esse erro. 

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