Todos sabemos que, nesta era do digital, nesta era onde cada pormenor é convertido em linguagem lida por muitos aparelhos electrónicos, a privacidade é difícil de manter. O que se passa na realidade é que apenas o suspeitávamos. Até Edward Snowden ter divulgado o alcance da vigilância à nossa vida o conceito de ausência de privacidade parecia-nos marginal. Muitos de nós mantemos uma identidade que se multiplica pelas muitas plataformas da internet e do mundo digital. Temos os smartphones, o facebook, instagram, snapchat, whatsapp, messenger. Mesmo a "inocente" procura de informação no Google acaba por ser um indicador dos nossos gostos e inclinações. A nossa história de navegação do browser está ali, listada e investigável. Nos smartphones activamos os serviços de localização sem racionalizarmos que esse acto permite a gravação dos nossos padrões de mobilidade. Os cartões das nossas lojas favoritas gravam os padrões de consumo. Isto não é fantasia ou exagero. É a realidade. Procurem os tutoriais. O passo que faltava era alguém ter acesso imediato a esse panóplia esmagadora de informação e, sob a desculpa da segurança, advogar ser legítimo o acesso de forma livre e desimpedida. E, acima de tudo, fácil. Tão simples como o clicar de um botão. Foi isso que Edward Snowden nos revelou.
Não é difícil imaginar Oliver Stone a sentir-se atraído por esta história. O realizador sempre afirmou-se como contrapoder. Muitos dos seus filmes sublinham a corrupção do governo, o desânimo em relação ao "sonho americano". Este é mais um deles e com uma temática totalmente actual. Temática é um termo que tenho alguma reticência em utilizar, com medo de diminuir a importância da história de Edward Snowden. Desenganem-se se acham tratar-se de mais um filme de conspirações tecidas por quem pouco mais tem o que fazer do que pensar neste tema. O assunto da vigilância constante, ubíqua, panóptica, é de gigantesca importância. Ele centra-se em duas frases antigas mas que, nos dia de hoje, na era do digital, têm ainda mais impacto: informação é poder; o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Sob a égide da segurança e da ameaça foi erigido um gigantesco edifício de procura e controlo de todo o tipo de dados, ao ponto de nem a privacidade do lar estar disponível - se estivermos desavisados.
O filme não é, do ponto de vista cinematográfico, uma obra de referência, mas a importância da sua história é, nos dias de hoje, jornalística e não fictícia. Nada do que aqui é dito e abordado deve ser descurado e esquecido. A nossa decisão pode passar por disponibilizar toda a informação sobre a nossa vida. Isso é algo que temos a liberdade de fazer. Mas também temos de ter noção dos riscos a que estamos sujeitos. Edward Snowden disse adeus a uma vida confortável para revelar-nos isto. O que é que vamos fazer com ela?
Sem comentários:
Enviar um comentário