Sabemos que não deve confundir-se a obra com o autor. Por menos (ou mais) que concordemos com a ideologia ou pensamentos de um escritor ou cineasta não deveremos partir para o seu trabalho com os mesmos olhos. Cada qual deverá ter um valor intrínseco e indivisível. Claro que poderão existir sempre excepções mas, se o não fizéssemos, provavelmente muitas das grandes obras da Humanidade deixariam de ser lidas - mais ainda nestes tempos do politicamente correcto. Os tempos mudam, as mentalidades modificam-se com eles. O que era aceitável deixa de o ser. Clint Eastwood é o tipo de autor cujas opiniões e posições políticas, para certas pessoas, são indefensáveis. Por mais do que uma vez usou o púlpito do reconhecimento enquanto cineasta e actor para expressar as suas opiniões (e bem, nos EUA vive-se uma Democracia). Não sou dos que concordam com muitas delas - pelo menos das que me chegam ao ouvido e à leitura veiculada pelos órgãos de comunicação social, e os mais atentos sabem que estes estão longe de ser inocentes e imparciais. Dito isto Clint Eastwood o autor, o artista, o realizador, é uma outra pessoa, como este Sully o prova.
Esta é a história do piloto de avião dos EUA que conseguiu, com sucesso, aterrar uma aeronave comercial no Rio Hudson e ao largo de NY, salvando, dessa forma, todos os passageiros e tripulação a bordo. É a história de um veterano do voo a usar a experiência para subverter, aos olhos de quem não a tem, os protocolos e salvar as vidas daqueles a seu cargo. Em suma, fazer o seu trabalho usando a capacidade humana e a excelência profissional. Os paralelos com o pensamento de Eastwood, para quem os conhece, são óbvios. Neste filme, Sully, protagonizado pelo sempre excelente e seguro Tom Hanks, é um homem com dúvidas quanto à sua escolha no processo de aterragem, mas que a defenderá porque tudo lhe diz que fez a opção correcta. Mesmo contra a burocracia das simulações informáticas, contra a automatização e desumanização do trabalho, contra aqueles que, sentados no conforto do escritório, acham saber mais que 40 anos de experiência. Isto tudo é dito por Eastwood de forma serena, usando a narrativa e a arte de contar uma história como discurso inflamado. Usando a câmara e a fotografia para expressar a articulação do seu pensamento. Este é um homem bem diferente do que faz discursos em convenções Republicanas.
Eastwood está de volta à forma, não a forma de Mystic River, de Million Dollar Baby ou de Gran Torino mas à forma de um homem fortemente alicerçado numa maneira de pensar sem desculpas e dura - mas, ao mesmo tempo, suave e doce.
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