Preacher, a Série de TV


(Começa amanhã, dia 1 de Novembro, no canal cabo AMC, às 22h00)

Nunca pensei que as coisas se passassem assim. Quando comecei a ler Banda Desenhada na segunda metade da década de 70 ela era um segredo bem guardado. Éramos poucos e considerados estranhos. Uns gostavam do Tintin, outros do Corto Maltese. Eu era dos que adorava os homens vestidos de fatos justos e coloridos, os capazes de feitos inumanos, sempre prontos a defender o Bem. Olhem para a cultura popular agora. A Banda Desenhada está presente, de uma forma ou de outra, em tantos aspectos dela. Umas quantas vezes é apenas nas influências de um autor, outras é descaradamente. O cinema tem sido um dos grandes "culpados"  - ou melhor, o amor de criadores à infância passada a ler BD, o crescimento da tecnologia de efeitos especiais e a noção que estes personagens fazem dinheiro. A TV e as suas séries (outro fenómeno cultural deste século XXI) eram uma das artes em que o sonho de ver nelas conceitos da BD parecia longínquo. Mas a narração serial e demorada da Série de TV parecia-me perfeita para tantas histórias da 9.ª Arte. E eis que aparecem coisas como The Walking Dead e descobre-se um novo filão: adaptar séries longas de BD para a narração televisiva. Este ano surgiu Preacher.

Em 1995 adquiri, sem saber o que vinha por aí, o primeiro fascículo de uma nova série da Vertigo, imprint detida pela minha editora favorita de BD, a DC Comics. A revista era Preacher, escrita por Garth Ennis e desenhada por Steve Dillon (leiam o que escrevi sobre ela aqui). Ao longo de seis anos, 66 números e uns quantos especiais, os autores construiriam uma narrativa fechada, literária, escatológica, herege, cheia de humor negro, que acompanhava a viagem de um padre com a voz de Deus (sim, literalmente) chamado Jesse Custer, a sua namorada Tulip e o seu melhor amigo, um vampiro irlandês chamado Cassidy. Se querem referências fáceis, pensem numa mistura de Quentin Tarantino com Breaking Bad e filmes dos irmãos Coen, a tresandar a americana e escrita por europeus. Perfeito para a Série de TV. 

A versão televisiva, cuja primeira temporada apareceu este ano, deve tudo à obra original mas vai por caminhos diferentes, principalmente ao nível do enredo. Não vou aqui enumerar as diferenças, que não interessam, dão trabalho e não me lembro delas (porque li a BD há 20 anos - um dia destes releio). Apesar dessas diferenças, o ambiente, o humor, a estranheza, o cristianismo sofrido, esses estão lá todos. As cores fortes do deserto dos EUA, as paisagens infinitas de desolação, estão lá. A depravação da natureza humana, no que tem de pior e mais hilariante, está lá toda. E Jesse, Tulip e Cassidy também estão lá, oásis de sanidade (será que são mesmo?) na paisagem apocalíptica.  

Custa a entrar - os três primeiros episódios são filmes europeus no tempo que demoram a construir ambiente e a dar-nos a conhecer os personagens. Mas a partir do quarto, ao filme europeu junta-se o sangue de Tarantino, a desolação de um romance de Cormac McCarthy e, acima de tudo, as palavras de Garth Ennis e as imagens de Steve Dillon. Está lá tudo o que realmente interessa. 

Preacher, tenho quase a certeza, vai ser aquele segredo bem guardado que, de repente, explode. E espero que tenha muito e muito sucesso porque, assim de repente, existem mais umas quantas BD's do estilo que poderiam passar para Série de TV sem qualquer soluço - 100 Bullets, Scalped, só para falar de duas favoritas minhas.

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