O que escrevo de seguida nada tem a ver com a qualidade destes dois livros de BD. São ambos superiores exemplos de como esta Arte é capaz de narrativas ímpares. São exemplos da enorme variedade de estilos narrativos e dos pontos de vista cultivados pelos muitos autores que a escolheram como voz. A Dança das Andorinhas de Zeina Abirached e Summer Blonde de Adrian Tomine não poderiam ser, como prova do que acabo de dizer, mais diferentes. Não falo do óbvio, do estilo de desenho ou da forma como parte a história nos quadradinhos: o primeiro tem uma abordagem menos convencional e o segundo uma aparente linearidade. Falo antes das realidades que cada autor escolhe abordar, sem duvida aquelas que cada conhece e experimenta.
A Dança das Andorinhas é um livro autobiográfico no seguimento de obras como o mundialmente conhecido Persépolis. Aborda temas e conflitos similares, neste caso a guerra no Líbano na década de 80, onde a autora nasceu e viveu parte da sua infância. Summer Blonde, por sua vez, colecciona quatro histórias de Adrian Tomine para a revista Optic Nerve, cada qual focando jovens urbanos com problemas que constituem variações de depressão, dificuldades sexuais e incapacidade de relacionamentos pessoais.
O local onde nascemos é a primeira (e maior) sorte da nossa vida. Viver a infância ou adolescência em palcos de guerra como o Líbano cria-nos espaço no nosso tempo para termos uma abordagem diferente. Zeina e a sua família, na narrativa deste livro, estão confinados a um pequeno quarto da sua casa. Apenas refugiados nele podem sobreviver a snipers e bombardeamentos constantes que ocorrem nas ruas. Cada acto, por mais simples e corriqueiro que seja, é difícil. Por isso agarram-se ao mais importante, à vida, e nela constroem um muro de esperança de sobrevivência, seu e dos que amam. Em Summer Blonde, os adolescentes ou jovens adultos (no conceito deste nosso século XXI) vivem em conforto relativo e imersos em problemas existenciais que advêm da incapacidade de lidar com um mundo aparentemente pacífico. Não tenhamos duvidas que ambos lidam com conflitos entre pessoas, apenas a escalas de desespero e violência completamente diferentes. Não existe invalidação de um em prol de outro (até porque diminui ambos), mas é interessante colocar em perspectiva as dificuldades num mundo de paz quando comparado com um mundo de guerra. Num existe vida, noutro apenas morte. Em ambos existe redenção e esperança como o ultimo motivador mas num ela funciona efectivamente como supremo conforto.
Este pequeníssimo parágrafo nada é mais que um ponto de vista pessoal e inconclusivo. A qualidade destas obras nada tem a ver com o que escolhem narrar. As duas são superiores. Zeina e Tomine são autores em todos os poros do seu corpo e espero que continuem a trabalhar no ponto geográfico das suas vidas, para que assim possamos desfrutar da riqueza dos seus pontos de vista.
(PS - Um enorme parabéns à Levoir por mais esta colecção de Novelas Gráficas).
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