O nome Hitler não é fácil de escrever. Mais ainda se estamos a tentar produzir uma obra de arte sobre a sua vida. É arrebatadoramente compreensível e claro que assim seja. Estamos a falar de uma das mais importantes figuras do século XX, um homem movido por um sadismo titânico e que arrastou um povo inteiro a partilhar da sua visão e dos seus actos. Todos sabemos do Holocausto, a sua mais tenebrosa herança, todos sabemos das profundezas abissais da moralidade e dos píncaros de crueldade a que chegou. Contudo, poucos tiveram o desplante de fazer o que este mestre japonês do Mangá ousou: contar a história de Hitler, o homem.
Estremecemos quando ouvimos estas duas palavras juntas. Para alguns de nós parece que o nome Hitler representa a forma física do Demônio, trevas feita carne. Mas não é assim nem nunca o foi. Nasceu e cresceu como qualquer um de nós, e movido por um resoluta vontade, por preceitos tenebrosos e maléficos (aos nossos olhos, não aos dele), conseguiu, passo a passo, vitória a vitória, chegar ao poder absoluto que lhe conhecemos e que arrastou o mundo inteiro no maior conflito armado da História. É disto que Shigeru Mizuki fala, destas vitórias, desses passos. Paulatina e documentalmente, o Mangaka explana a forma como este homem, ajudado por muitos, consegue chegar ao posto que ocupou no conto da Humanidade. Ele não plantou-se ali por acaso, não aconteceu do dia para a noite e de forma mística. A sua caminhada foi longa, planeada e pode repetir-se (sempre). Ao escolher focar o homem, os seus amores, as suas paixões, as suas frustrações, os seus fanatismos, ao escolher aludir de forma tangencial os tenebrosos eventos da 2.ª Grande Guerra (sim, não há imagens de campos de concentração), ao escolher antes as conspirações e jogadas que o tornaram líder do Reich, Mizuki prefere, de forma consciente, construir um alerta. Tudo isto pode voltar a acontecer. As circunstâncias podem voltar a repetir-se.
Esta é, não tenhamos dúvidas, uma obra maior da Literatura. O Mangá, insistentemente, prova que é uma das formas mais elevadas da Banda Desenhada, nada devedora às suas congéneres Europeia e Estado-Unidense. Shigeru Mizuki recorre à caricatura dos seus personagens, alicerçados, contudo, em ambientes hiper-reais, para sublinhar a personalidade dos intervenientes na História de Hitler. Usa um lugar comum dos Mangá, o desenho fofo dos personagens, para intensificar a mensagem, transformando esta obra em algo que apenas pode acontecer na 9.ª Arte. Uma obra essencial, sem dúvida (obrigado, Paulo).
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