A capa da versão americana desta BD aponta para uma dicotomia, para a oposição entre o preto e o branco, pedra de toque de tantas narrativas na História. A atração que nós leitores temos por esta oposição é primal e simplista. Chega a ser reconfortante. De que um dos lados é verdadeiramente branco e outro é verdadeiramente negro. Como se se quisesse reduzir o Real a esse confronto fácil de entender. Ainda que título e capa tentem aludir a esta simplicidade nada poderia estar mais longe da verdade no que respeita ao conteúdo da obra destes dois autores, irmãos e brasileiros (a ironia, intencional ou não, não passa despercebida).
Dois irmãos gémeos, Imar e Yaqub, são de uma família originária do Líbano, Síria. Apesar das parecenças físicas, não poderiam ser mais diferentes. Essas diferenças são intensificadas quando um deles é obrigado, durante 10 anos, a viver na terra natal dos pais. O regresso do filho ausente irá despoletar um conjunto de eventos que influenciarão a vida de um pai apaixonado pela vida, de uma mãe controladora, e de um sem número de outros membros familiares que gravitam à volta do muro de ódio que se ergueu entre os dois irmãos. Apesar da dicotomia permanecer como linha condutora da narrativa, esta não é tecida de forma simplista. Antes estamos montamos no pêndulo das emoções que oscilam entre apoiarmos um ou outro irmão. Uma busca de porto seguro que, contudo, nunca chega. Isto porque Bá e Moon afastam-se do óbvio e nunca se esforçam por tomar o partido de um dos dois protagonistas. Os autores funcionam como contadores de história, narradores sem pretensões de juízos de valor e de moralidade. As acções das personagens falam por si mesmas.
A narrativa constrói-se, devagar, no decorrer dos anos, valendo-se de analepses e prolepses para solidificar a interpretação que o leitor pode retirar da vida e história destes dois irmãos. Em termos de desenho, socorrem-se de mistura de traço cartoonesco com o chiaroscuro ao estilo cinema noir, intensificando a luz dura e forte da Amazónia, onde a acção se passa, mas, acima de tudo, construindo um ambiente trágico.
Ultimamente, por coincidência, tenho tido algum contacto com exemplos da BD brasileira contemporânea. Os irmãos Bá e Moon não são novidade para mim (Daytripper, Casanova) mas mais um exemplo da saúde apreciável na 9.ª Arte neste país. Sem dúvida, uma das melhores obras que tive o prazer de ler neste ano que ainda agora começou.
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