Da série Retratos de Família.
Da série Fotografia de Ruas.
Thomas Struth – Isto é catálogo ou fotografia?
Thomas Struth é um fotógrafo de origem alemã, metódico na abordagem e clínico de espírito. O seu trabalho funciona como o de um catalogador, sistemicamente à procura de mais aquele elemento, de mais aquele pormenor, de mais aquela variação de um mesmo tema. Lá vai ele, munido da sua câmara, provavelmente daquelas que, do fundo do lugar-comum, assumimos que os fotógrafos do tempo da nossa avó tinham, as de fole (tecnicamente chamada de grande formato que, note-se, ainda existem e são francamente boas). De seguida, pacientemente, monta o pesado equipamento, provavelmente também flashes em quantidade, fotómetros, etc., e espera pelo momento fotográfico, por muitos conhecido como bressoniano, aquele pedaço de luz e sombra, aquele milionésimo de segundo que retrata de forma perene, assumida, subjetivamente objectiva, a realidade que o senhor fotógrafo estava “à espera”. É assim que imagino este senhor a trabalhar.
O trabalho de Struth aparenta ser de catalogação, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Aquilo que parece milimétrico é, na realidade, caótico. Aquilo que parece desenhado a régua e esquadro é, na realidade, um esboço. Este alemão residente de Dusseldorf, Berlim e Nova Iorque (segundo a wikipédia, e nós sabemos o quanto nela podemos confiar), tão depressa coloca a sua objetiva de frente de uma família chinesa, como desloca-se para as ruas de Lima ou paras florestas da Austrália. Perde o seu tempo, por exemplo, a observar pessoas num museu, enquanto se demoram num quadro, numa escultura. Por vezes coloca a câmara apontada para a obra, de outras escolhe apontar para os observadores, enquanto estes as examinam de forma cuidadosa ou fugaz. Que faz Thomas Struth? Observa? Regista? Dá uma opinião? É óbvio que é um pouco de tudo e, quem sabe, um nada de tudo.
Quem teve o prazer de ver a recente exposição deste autor em Serralves, teve a sorte de verificar de perto, nas impressões escolhidas e tocadas pelo artista, a qualidade da mão de Struth. Fiquei particularmente maravilhado com as impressionantes fotografias de várias famílias do mundo. Havia famílias alemãs, americanas, chinesas, japonesas, reunidas e expostas de frente para a câmara. O método era particularmente interessante. Struth permitia que as famílias escolhessem não só o local da casa em que queriam ser fotografadas, como também a posição relativa de cada um em relação aos outros membros e em relação ao fotograma. Sem esforço, as características de uma família italiana tornam-se diferentes das de uma em Lima ou em Shanghai. A posição relativa dos anciões do grupo, a quantidade de membros da família, o somatório de idades, os objetos que os circundam, a seriedade ou leveza com que olham diretamente para a câmara. Todos estes elementos que, no clique destreinado de qualquer um de nós não se conjugariam em muito mais que um fotograma entre milhares, no paciente olhar de Thomas revelam-nos tanto quanto a subjetividade com que, pacientemente, Renoir ou Picasso pintaram os seus quadros. Olhar para as famílias de Struth é similar a olhar para outros fotógrafos catalogadores, como os compatriotas Bernd and Hilla Becher, na sua série de tanques de armazenamento de gás.
As ruas e as fachadas de edifícios deste autor também elas são como as famílias, pacientemente observadas e registadas, sublinhando similaridades e diferenças no aparente olhar cirúrgico, milimetricamente colocado, cuidadosamente estudado. Mas nada é o que parece e, garanto-vos, não está apenas no olhar do observador, ou seja, em nós que folheamos um livro ou demoramo-nos numa das suas exposições. Está também na escolha do autor. Através da repetição de uma fotografia similar mas em diferentes pontos do planeta, sempre a apontar para um mesmo ponto de fuga, somos confrontados com uma opinião do artista, qualquer que ela seja, e com a nossa própria, num diálogo que não é mais que o profundo reflexo do que somos.
Contudo, em última análise, o fotógrafo regressa à natureza, através da difícil arte de captar a imagem de uma floresta, por exemplo, ou de um monte conhecido como El Capitan, situado no Yosemite na Califórnia. Em relação aos fotogramas de natureza pura, sem intervenção humana, Struth escolhe, para uma série deles, o nome de Paraíso. Uma banalidade, não? Será mesmo assim ou, no meio de tanta família, rua e edifício, de frias paisagens e mecanismos industriais, Struth não prefere o conforto do berço? Ou será que é apenas mais um elemento desse imenso catálogo que é o seu universo?
(Quem estiver interessado neste artista pode adquirir o catálogo Thomas Struth Photographs 1978-2010)
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