Em conversa com um dono de uma loja de Banda Desenhada em Lisboa consolidei uma certeza que tinha há alguns anos: o eterno estigma que a BD tem, o de ser infanto juvenil, perpetua-se. Eu sei que esta afirmação não é uma novidade para ninguém, mas existe um efeito pernicioso em particular do qual queria falar. Mesmo para os que estão interessados em entrar neste mundo, o medo de perguntar por algo que outros vêem como "inferior" barra o ímpeto de experimentar. Não tenhamos duvidas: isto é uma questão de cultura, de falta dela e, por conseguinte, de ignorância. Sabemos todos da dificuldade que é entrar no mundo da BD, também pela quantidade de oferta e pela aparência de insularidade que a Arte carrega consigo. Essa aparência é, contudo, isso mesmo, porque a oferta é de tal forma variada que existe algo para cada leitor, independentemente do gosto. Vejam o exemplo destas duas BD: uma um conto de Alta Fantasia com animais antropomorfizados; outra, um simples western.
Autumnlands foi uma muito agradável surpresa. Conheço bem o escritor Kurt Busiek pelo seu trabalho na Marvel, na DC e no excelente título Astro City. Contudo, aqui o autor envereda por um caminho a que não estamos habituados. Calcorreamos paisagens e cidades de um mundo místico imaginário, populado por animais antropomorfizados, onde a Magia, o equivalente à electricidade na nossa civilização, encontra-se em risco de esgotar-se e arrastar este universo para o caos. Um conjunto de místicos juntam-se numa derradeira busca para encontrar a salvação. Como já o disse variadíssimas vezes, muitas são as vezes em que a originalidade da premissa (ou falta dela) não é importante. Interessa mais a habilidade dos artistas em entretecer palavras com palavras e palavras com desenhos de modo a construir algo verdadeiramente seu e único. Parece ser o caso deste Autumnlands. Busiek mistura mundos imaginários com religião, intriga palaciana com salvadores predestinados, para criar um enredo entusiasmante e, em todas as esquinas, cheio de mistérios. Este primeiro volume é uma grande vitória. E, já agora, a arte de Benjamin Dewey é de babar (a Image continua a dar AS cartas que interessam na BD dos EUA).
Xavier Dorison e Ralph Meyer, por seu lado, enveredam num estilo que (sempre achei curioso) tem bastante sucesso por terras gaulesas: o western. Esta BD vem com o rótulo de "a melhor do estilo depois de Blueberry". Como nunca li este último não posso comentar (tenho em casa quase todos prontinhos para o fazer mas a prioridade passa antes por Thorgal e por Valérian - westerns não são bem a minha praia). Achei a leitura deste Undertaker escorreita e interessante. Acompanhamos um pistoleiro cangalheiro anti-herói muito ao estilo de vários outros westerns estado-unidenses, um homem marcado por um passado sombrio, tão rápido na pistola quanto no sarcasmo. Até aqui nada de novo mas o enredo que impele à acção do protagonista, envolvendo obviamente um cadáver e o transporte de uma fortuna em ouro, embeleza a narrativa e agarra. O desenho lembra Giraud mas com uma distribuição das vinhetas mais moderna. Em suma, um bom entretenimento.
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