O que vou lendo! - Les Vieux Fourneaux volumes 1 e 2 de Wilfrid Lupano e Paul Cauuet




Eu sou de Portugal e da Europa. Existe um indizível que nos diferencia e distancia de outras culturas. Mesmo daquelas que, à partida, poderíamos dizer não serem muito distantes. Como, por exemplo, a estado-unidense. Mas, na realidade, mesmo esta não partilha de todos os valores que nós acarinhamos, a mesma relação com o social, com o monetário, com a geografia. Hoje em dia, somos bombardeados pela aclimatação cultural que lugares comuns como Hollywood tentam fazer passar. Aos poucos e poucos achamos que os referências do outro lado do oceano são as nossas. Contudo, mesmo que momentaneamente, somos por vezes confrontados com referenciais mais próximos e um aconchego apodera-se de nós. Reconfortamo-nos em pequenas coisas que identificamos como nossas. Mais próximas do que aquilo que julgávamos próximo. Se olharmos para um filme francês, garanto-vos que sentimo-nos mais perto das pessoas e das situações do que em qualquer outro de origem americana. A forma como comem, o que comem, o modo como se vestem, o modo como se relacionam socialmente. Tudo é mais parecido com o que nós fazemos. Paris está mais próximo do que Nova Iorque. Entendem?

Durante anos fui leitor quase exclusivo e ávido de Banda Desenhada dos EUA. Gosto da mitologia. Gosto da linguagem. Gosto tanto da qualidade que têm como da telenovela que perpetuam. Recentemente, tenho tentado não me limitar tanto e aberto os olhos (e a bolsa e o espaço cá de casa) a alguns exemplares de BD franco-belga. Este ano, em Angoulême, cruzei-me com Les Vieux Fourneaux, que havia vencido o prémio de público deste famoso festival. Atiçado pela curiosidade devorei os dois primeiros volumes (ainda que lentamente, já que o meu francês não é o melhor, mais ainda se se considerar que ambos os tomos abundam de expressões idiomáticas e calão). É a história de três amigos de longuíssima data, antigos lutadores sindicalistas na década de 60, que se reúnem no funeral da mulher de um deles, também ela companheira de lutas proletárias. Ao mesmo tempo, temos a jovem neta da falecida, grávida, que os acompanha em duas aventuras diferentes, cada qual focando-se no passado dos irascíveis velhotes. Usando de humor misturado com crítica social, ambos ao autores apontam um olhar divertido mas relevante às manias de duas gerações tão diferentes. Uma que, aparentemente, sempre lutou para cada centímetro de conquista. Uma outra mais indulgente. Contudo, a delícia da reflexão bem humorada de ambos os volumes reside no facto de que, se calhar, os papéis não são bem esses. Quem sabe não serão mesmo invertidos.

Os dois autores utilizam o choque de gerações de forma pouco ortodoxa, não procurando uma reflexão extraordinariamente profunda mas também nada pueril. Tudo ambientado de forma muito reconhecível para portugueses (daí o meu primeiro parágrafo). Na geografia. Na gastronomia. Na política. Aguarda-se a coragem de publicar estes volumes em português.

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