Whiplash de Damien Chazelle

"The drum, the drum, the drum, the drum / The drum is the most important instrument" - letra de de I Got It Goin' On dos Us3

Um dos meus sonhos mais antigos era saber tocar bateria. Recentemente, deixei-me de sonhos e passei à prática. Inscrevi-me numa escola onde posso dar vazão às batidas e ao ritmo. Se fosse dado às coisas de sincronicidade e do misticismo diria que Whiplash aparecer exactamente nesta altura teria algum significado divino. Escusado será dizer que estava com algum vontade de ver este filme, independentemente de toda a publicidade em volta da prestação de J. K . Simmons  (oscarizada, baftizada, etc e tal).

Antes que fiquem assustados, nenhum dos meus professores nem de longe ou de perto se assemelha ao sociopata representado por Simmons. E muito bem representado, diga-se - ainda que eu tenha alguma dificuldade em acreditar que existam pessoas deste gabarito e que dêem aulas. Toda a mensagem do filme parece girar à volta deste conceito: a exigência levada ao limite do aceitável tem por objectivo extrair a genialidade, tirar do mundano o excepcional. Apenas através da criação de uma situação de dificuldade extrema, de contrariedade, pode tocar-se algo verdadeiramente digno de ser ouvido. Nestes tempos de um conforto como nunca se experimentou (ocidental, bem visto), onde os millenials são mimados e protegidos, o filme acaba por ser um comentário mais profundo, mais transversal. Em suma, é sobre o micro-universo da bateria mas não se limita a este. Trata-se, portanto, de um produto que o "senhores dos Óscares" muito apreciam, o que, aliado a prestações intensas dos dois actores, é sopa no mel para estes meninos.


Apesar destas credencias que poderiam afastar os críticos mais cépticos, Whiplash não é açucarado e pronto a ser consumido num Domingo à tarde com chuva e sofá quente (se bem que também pode ser). Este é um filme duro, forte e intenso, onde os personagens principais não são adoráveis, antes são seres humanos por vezes repugnantes e pouco sociáveis, capazes de tudo pelo sonho e a certeza de serem os melhores em algo. Nestes dias do politicamente correcto, do baunilha, existirem personagens assim em filmes com a audiência alargada de Whiplash acaba por ser uma benesse. Misturado com tudo isto um enfoque no maior de todos os instrumentos musicais, o primeiro, o primordial, o mais importante, é apenas uma cereja (barulhenta) no topo de um filme bastante interessante.

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