O XIII não é um número do azar (ou como adorei esta BD)

Para alguém que se diz um fã de BD, o meu primeiro verdadeiro contacto com esta obra, XIII, não foi pelo meio que deveria ter sido (o pecado!). Já há muitos anos que sabia da sua existência, mas por diversas razões (uma delas o meu deficiente controlo da língua de Proust e de Goscinny) nunca me tinha dado ao esforço de a ler. Conheci XIII pelo jogo de computador para a PS2 que saiu no início deste século  - e os fãs da BD francófona têm um ataque de miocárdio misturado com perda da memória de curto prazo. Tinha adorado o jogo (um first-person shooter) que possuía a particularidade de adaptar os cinco primeiros volumes da saga de William Vance e J. Van Hamme numa estética tirada a papel vegetal da BD. Os anos foram passando e continuava sem ler os livros até esta dádiva de Deus que foi a edição de toda a colecção pela ASA-Público. No total de uns maravilhosos 11 números, pude ler, de uma assentada, sem interrupções (a não ser as semanais), a totalidade do primeiro ciclo pelos autores originais (com uma perninha por Giraud) e os quatro primeiros volumes do segundo ciclo (já pela imaginação de Sente e Jigounov). Sem qualquer tipo de reservas posso afirmar que há muito tempo não me divertia tanto com uma leitura.
A história é conhecida de todos os fãs de BD. Um homem amnésico dá à costa e é recolhido por uma caridoso casal de idosos. Contudo, apesar de ser afligido por um omnipresente muro branco que lhe oculta a memória, parece ter sido um homem de acção. Meu dito, meu feito. Pouco depois da sua descoberta moribundo e à beira do mar, começa um rodopio de perseguições, mortes, tiroteios, fugas, que se desenrolam à velocidade da luz pelas inspiradas páginas de toda uma saga que parece (e é) melhor que qualquer filme de James Bond. O homem que fica conhecido apenas pelo número XIII (número romano que tem tatuado no pescoço) é envolvido numa conspiração internacional que atinge os mais elevados níveis dos EUA (sim, os personagens são quase todos americanos), que vasculha de forma frenética todas as esferas de poder desse país e que levam o herói e os seus companheiros a aventuras pelos quatro cantos do planeta. Ao mesmo tempo, vai se descobrindo, paulatinamente, o passado obscuro de XIII, um dos mais interessantes leit motifs de toda a série e que se transporta do primeiro para o segundo ciclo. 

Dizer que a narrativa é entusiasmante, frenética e viciante é um eufemismo. A leitura corre de forma escorreita e com uma velocidade que não nos deixa quase tempo para respirar. Apesar da quantidade de "azares" que acontecem ao herói pressionarem a credibilidade da narrativa, nunca ultrapassam o limite da descrença e, pura e simplesmente, são introduzidos de forma a envolver o leitor e agarrá-lo da primeira à última página. Os personagens são desenvolvidos de forma segura, cada qual exibindo as suas inclinações e idiossincrasias não à margem da acção mas entretecidos nela. Aqui não há espaço para a paz - essa acontece entre vinhetas. O mistério, um dos elementos mais presentes do enredo, serve como motor do interesse mas, ao contrário de muitas outras histórias, tem sempre uma ou várias resoluções - ao contrário de muitas da BD americana, que não gozam do nível de planeamento deste XIII nem do facto de serem sempre os mesmos autores. As revelações vão acontecendo a conta gotas (mais ainda para quem seguiu a série ao longo das duas décadas que durou o primeiro ciclo) e de forma sempre rocambolesca e intrincada mas, uma vez mais, não esforçam a credibilidade - apenas testam atenção do leitor.

Não quero acabar sem dar um aplauso pela criação desse belo personagem que é a maravilhosa Jones, a jovem rapariga perpetuamente apaixonada pelo desmemoriado XIII. Num universo ficcional quase sem personalidades femininas fortes , esta jovem foi, na maior parte das vezes e numa inversão assumida do papel da mulher neste tipo de narrativa ao estilo 007, a bóia de salvação do herói da série. Não fossem as superiores capacidades militares de Jones e XIII não tinha passado dos primeiros cinco volumes. Nem que fosse apenas por isso a série já valeria cada página em que foi impressa.


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