A Wikipédia descreve um Cautionary Tale como um conto folclórico que tem como objetivo avisar os ouvintes de um determinado perigo. A descrição é lata mas permite-me fazer um pequena introdução a este post: eu adoro cautionary tales. Poderiam desde já achar que tenho alguma necessidade de moralidade, que necessito que seja demonstrado um comportamento mais recto, mais são. Não se trata disso. Na minha cabeça, os cautionary tales misturam-se com outra figura da Literatura pela qual tenho particular gosto: a Tragédia. O significado literal desta palavra de origem grega é a "canção do bode" e está associada a rituais dionisíacos, onde o bode, inimigo das colheitas e do deus grego do vinho, seria sacrificado. Hoje em dia, este acontecimento catastrófico (principalmente para o bode) tem não só o significado vulgar que todos conhecemos como, tal como já disse, está associado a milénios de literatura. Sem querer estar a parecer demasiado erudito ou lançar termos ao acaso, a tragédia está de forma indelével associada ao Destino, ao caminho inexorável que um personagem tem de trilhar apesar de todos os esforços que encete para o evitar. Rei Édipo e Hamlet são dois dos maiores nomes deste forma deliciosa de contar histórias.
Esta longa e pedante introdução serve apenas para vos situar nos olhos com que vi este fabuloso filme que é Um Ano Mais Violento. Um homem de família, na Nova Iorque de 1981, tenta construir o negócio de forma legal e recta. Ao longo do calvário do seu esforço, apercebemo-nos que o caminho é difícil, tortuoso e que o desfecho é inevitável. Como o Destino. Como uma Tragédia. Como um Cautionary Tale. Mas quem acaba por pagar aos deuses, quem é o bode sacrificado, não é exactamente quem se espera. Uma inversão realista e pós-modernista enquadrada no mundo do final do século XX.
A construção da história e (literalmente) da última e maravilhosa cena é feita de forma lenta e cuidada. Juntam-se camadas de forma ponderada e reflectiva que têm a sua coda num último momento que resume a mensagem e alcance da narrativa. Sim, este é também um filme de argumento. Mas não se fica por aí. A escolha dos dois actores principais é particularmente inspirada. Jessica Chastain é brilhante na sua terrível beleza. Oscar Issacs é o cimento deste conto moral, cada linha de diálogo e cada expressão capaz de veicular a força frágil de um homem bom. A cinematografia de Bradford Young é brilhante na escolha de enquadramentos e cores frias e belas. A realização de Chandor é inspirada. Em suma, um grande filme.
Sem comentários:
Enviar um comentário