“Onde caralho está o Wallace, Stringer?”
A pergunta é feita por D’Angelo no 12º episódio da primeira temporada de “The Wire”, série de TV do canal americano HBO que, até o ponto em que o sei, ainda não passou na TV portuguesa (mas existe por aí uma coisa chamada DVD, ok?!). A pergunta é (talvez) a resposta a outra, que empesta a série desde a primeira cena, terrível na sua simplicidade, verdadeira na sua intemporalidade: “Será que o que fazemos e como o fazemos vale mesmo a pena?”.
Tantas e tantas vezes percorremos o nosso caminho, teimosamente calcorreando as suas rectas e as suas curvas, sem questionar, sem saber, e inevitavelmente chegamos a um destino, muitas vezes não aquele que julgámos ir encontrar e, mesmo sendo o que procurámos, sacrificámos tanto da nossa alma, tanto do nosso coração, que o sabor da vitória é amargo, é bílis.
“The Wire” é tão limpidamente real que assusta. E raramente isto pode ser dito da Arte de contar histórias. Não porque outras histórias são inferiores, não me interpretem mal! Não tem nada a ver com isso. Apenas são assim porque não escolhem este caminho, chamemos-lhe, estético. “The Wire” é escrito por um ex-polícia chamado David Simon e grita volumes por causa disso. A palavra “realista” é tantas vezes atirada para descrever certas histórias. Pois é a minha vez de atirá-la aos lobos e descrever esta série dessa maneira. Portanto, volto a dizê-lo: “The Wire” é tão limpidamente real que assusta.
Algumas das boas histórias, pelo menos no modo como eu as vejo, têm a “mania” de agarrar em temas que, à partida, poderiam estar longe do nosso dia-a-dia e transformá-lo em algo mais universal, em algo que, se nos esforçarmos, pode nos tocar e ajudar a melhor compreender a nossa vida e tudo o que está à nossa volta. Os podres. As alegrias. E às vezes mesmo, e aí reside a genialidade das grandes obras de arte (e eu acho que “The Wire” pode ser uma delas), pode nos ajudar a melhor organizar o mundo á nossa volta, que é como diz, a compreendê-lo. Esta série e esta sua primeira temporada (são 5 no total) tem esse dom. Porque é escrita com uma maturidade desconcertante.
Acabei de ver o último episódio, minutos antes de escrever estas palavras, e sinto-me desconcertado. O que não é difícil, depois de ver e reconhecer tanto daquilo que nos faz humanos nos enredos desta história. Sim, porque é que fazemos e somos aquilo que somos todos os dias? Qual o objectivo? Será que vale mesmo a pena? Não interessa saber a resposta a estas perguntas. Interessa mais fazê-las e agir sobre elas.
Ah... e já agora a história: um conjunto de policias à procura de prender uns traficantes de drogas! Nada mais simples. Mas, asseguro-vos. Nada. Mais. Complicado.
Deixo-vos com duas pequenas coisas do fim da primeira temporada. Nada que vos estrague o prazer do desenrolar do enredo. A primeira, uma imagem, um dos traficantes a olhar directamente para a câmara, como que para nós, e lentamente a fechar os olhos com o “fade-out” da cena. A segunda, uma frase: “Tudo é sobre a família!”. Vejam se as conseguem ligar!
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