O bom de ser português. Tomo primeiro.

“Fa yeung nin wa” (“In the Mood for Love”) de Wong Kar Wai e
Yukiguni (“Terra de neve”) de Yasunari Kawabata



Não me perguntem quando começou o meu fascínio pelo mundo oriental. Talvez tivesse sido com “In the mood for Love” mas, muito sinceramente, acho que não. Talvez tenha sido apenas a consciência desse fascínio que se cristalizou, finalmente, ao ver “In the mood for Love”. Talvez tenha começado com a Heidi, com o Conan, com o Marco da minha infância. Não sei. Mas existe! O mundo oriental, principalmente o da China, Japão e Coreia do Sul, tem uma enorme influência sobre os meus gostos e sobre as minhas descobertas.



Não sei ler, falar ou perceber japonês e mandarim (infelizmente), mas em Portugal temos a felicidade de poder ver todos os filmes de qualquer parte do mundo na sua língua original. Isso cria uma sensação de proximidade, de verosimilhança, de pureza que não acredito que a dobragem propicie. A entoação da voz, mesmo não percebendo o conteúdo, dá-nos mais informação que o conforto do língua materna. Há todo um mundo que nos é transmitido e, no caso do oriental, esse mundo é de tal modo diferente do nosso (não tenham dúvidas!) que me cria a sensação de estar a presenciar uma outra realidade.

Desenganem-se, contudo, os que acham que “In the Mood for Love” e “Terra de Neve” valem apenas pela curiosidade do ser diferente.


“In the Mood for Love” é aquele filme que, se encostado à parede, teria de dizer que é o meu favorito, se essa limitação me fôr permitida (desculpem-me “Senhor dos Anéis”, “Aurora” e “Dupla Vida de Veronique”). Em pouco mais de uma hora e meia, Kar Wai presenteia-nos com uma grande obra de arte, um elogio ao amor, um retrato discreto e sublime de duas pessoas que se apaixonam.

Mas Kar Wai não se contenta com o óbvio. O casal envolve-se porque os seus cônjuges se envolvem. Nós nunca vemos a face do marido e da mulher dos protagonistas, assim Kar Wai escolhe. Apenas ouvimos as suas vozes, suspeitamos das suas acções, até o momento da certeza. E a partir daí algo acontece. Será que o nosso casal tem um caso? Será que consumam esse caso? Tudo não passa de conjecturas, de suposições, de disse que disse. Pouco ou nada da relação carnal, do beijo revelador entre os dois é mostrado. Só sugerido. Apenas nos é revelado um mar plácido na superfície mas, suspeitamos, revolto nas profundezas (a cena que é repetida mas com dois desenlaces diferentes - pontos de vista - é extraordinária).



Tudo servido com uma fotografia genial de Christopher Doyle, colaborador assíduo de Wong Kar Wai, uma banda sonora extraordinária (Nat King Cole uma vez mais a fazer sentido), maestria na realização e montagem e um final que (penso) só poderia ser aquele.

Quem tiver a oportunidade de comprar a edição especial de DVD deste filme vai ter ainda o prazer de presenciar o nascimento e o porquê desta obra. Mais do que nunca, as cenas extras fazem sentido, não para perceber a história (para isso basta ver o filme), mas para perceber a história que poderia ter sido. Se por acaso aquelas cenas tivessem sido incluídas, o sentido da narrativa mudaria. Garanto-vos!


“Terra de Neve”, romance do nobelizado Yasunari Kawabata, é outra história de amor que acredito ser difícil na literatura oriental, onde tudo é mais carnal, voluptuoso, directo. Desta feita, conta-se-nos a história entre uma geisha e um homem casado que a visita amiúde na terra de neve, terra perdida por detrás de difíceis e demoradas viagens de comboio, como se num mundo diferente, desviado, onde as coisas se passam à sua velocidade, tomando prazer na demora dos sentimentos e dos actos.

Tudo é pensamento e reflexão, a percepção dos personagens principais mais acutilante porque o mundo passa por eles com calma. A descrição do homem vendo um reflexo na janela do comboio de uma mulher cuidando de seu homem é demorada, respira profundamente e pensa calmamente cada palavra, cada reflexão, cada momento e verdade percebida. Parece existir um tempo diferente. Um tempo onde não existe urgência. A simplicidade poética da prosa empregue por Kawabata é desarmante pela honestidade. Meditação em forma de literatura.

São estas ocasiões, estes mundos que tenho vontade de conhecer e explorar, que me fazem sentir o que é ser português.

1 comentário:

dry desire disse...

sim de facto o "in the mood for love" é uma perola, mas o senhor wong kar wai não faz o trabalho sozinho. muito do que o filme transmite fica a dever-se a um senhor que venho a acompanhar coma algum entusiasmo, o senhor Christopher Doyle director de fotografia de muitos filmes made in hong-kong e que colabora com o senhor wai. vale a pena descobrir e investigar o senhor doyle, pois é considerado um mago no mundo do cinema.e não pouco reafirmar isso.